Em um aceno ao MP-SP (Ministério Público de São Paulo), o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) assinou um decreto na última terça-feira (10) que repassa 30% dos recursos arrecadados em ações contra lavagem de dinheiro no estado para o fundo especial da instituição.
Esses recursos eram destinados, até agora, a subcontas do Fundo de Interesses Difusos (FID), da Secretaria da Justiça, e eram repassados à Secretaria da Segurança Pública para investimento na aquisição de equipamentos e infraestrutura para as polícias.
Já no fundo especial do MP-SP, o dinheiro será usado para “assegurar recursos para expansão e aperfeiçoamento das atividades da instituição”, segundo a lei que o criou, em 1999.
Nem o governo do estado nem o MP-SP informaram qual é a previsão de recursos que irão à instituição. No ano passado, a Secretaria da Segurança Pública publicou um balanço mostrando que, em quatro anos, a polícia recuperou R$ 14 bilhões do crime organizado.
Em vídeo divulgado no canal do MP-SP no YouTube, o procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, afirmou que a mudança é “uma notícia de enorme alcance para a nossa instituição”, o que o motivou a gravar o agradecimento.
“Quero dizer que essa medida configura um grande ato de reconhecimento ao trabalho da nossa instituição e esse trabalho é feito por todos, indistintamente”, disse. Ele afirmou que a verba visará “o aprimoramento da nossa atuação com mais tecnologia, treinamento e recursos humanos para detectar e desarticular esquemas de lavagem de dinheiro”.
O reforço de caixa ocorre em um momento de forte crescimento das despesas do MP-SP com penduricalhos, os pagamentos acima do teto constitucional a servidores da magistratura.
Em janeiro, conforme a Folha publicou, Oliveira e Costa reconheceu passivos trabalhistas que somaram mais de R$ 1 milhão a receber para 1.900 promotores e procuradores paulistas, referentes ao equivalente a uma semana de salário extra por mês, em um período que vai de janeiro de 2015 a agosto de 2023.
A decisão, de caráter administrativo, reconheceu que os promotores tinham carga excessiva de trabalho e tinham direito aos pagamentos na forma de indenização. No fim de maio, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) proibiu práticas similares no Poder Judiciário.
Quando autorizou o pagamento dos penduricalhos, o MP-SP afirmou que os repasses seriam feitos em parcelas, de acordo com a disponibilidade de caixa da instituição. Em comparação ao ano passado, a remuneração média dos membros da instituição já subiu 27%, segundo dados do Portal da Transparência.
O reforço de caixa ocorreu em um evento no Palácio dos Bandeirantes com Tarcísio, o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, o presidente da Alesp (Assembleia Legislativa), André do Prado (PL), de Oliveira e Costa, quatro subprocuradores-gerais e outros dirigentes do MP-SP. A instituição tem a função de fiscalizar os demais agentes públicos presentes.
“São Paulo é um estado diferente, onde as instituições conversam e constroem soluções. O estado é exemplo para o Brasil em termos de harmonia entre os Poderes, que pensam juntos no bem do cidadão”, disse Tarcísio no encontro, segundo nota publicada pelo MP-SP —a imprensa não foi convidada para o evento.
A justificativa para destinar ao fundo especial do MP-SP parte dos recursos obtidos no combate à lavagem de dinheiro é incrementar a capacidade da instituição de enfrentar esses delitos, de acordo com o governo.
Embora o uso do fundo para pagar diretamente os penduricalhos seja vedado por lei, a medida cria folga de caixa à instituição, que tem autonomia orçamentária.
“Trata-se de uma política pública voltada ao enfraquecimento financeiro de organizações criminosas e à destinação mais eficaz dos ativos recuperados pelo estado”, informou a Secretaria da Segurança Pública, em nota, ao justificar a medida.
Especialistas, contudo, criticam o fortalecimento do fundo sem ações que tragam mais transparência em suas despesas — a página destinada à prestação dessas contas no site do MP-SP não traz detalhes que justifiquem os saques dos recursos públicos da conta, quando ocorrem.
“O Fundo Especial de Despesa do MP-SP apresenta fragilidades relevantes de transparência e controle externo, pois sua administração, diretrizes e planos de aplicação são definidos unilateralmente pelo próprio órgão”, diz Rafael Rodrigues Viegas, professor da FGV e pesquisador do INCT Qualigov e da Enap (Escola Nacional de Administração Pública).
“A amplitude das receitas, incluindo doações privadas, venda de serviços e multas, somada à baixa publicidade sobre critérios de alocação, abre margem para usos voltados a interesses corporativos, sem adequada prestação de contas à sociedade”, completa.
Viegas também faz ressalvas à forma como a medida foi divulgada. “A presença destacada de autoridades do MP-SP no evento indica uma relação de cooperação que pode comprometer a percepção de autonomia do órgão, especialmente ao associar sua atuação a uma política governamental específica, como a recuperação de ativos, com contrapartidas financeiras diretas para a própria instituição.”