Além de Alexandre de Moraes, responsável desde 2019 pelo inquérito das fake news e seus diversos desdobramentos, outros ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) passaram a supervisionar investigações amplas nos últimos anos, que envolvem suspeitas distintas e nem sempre com conexões claras.

Foram as investigações oriundas de inquéritos como o das fake news —que foi aberto de forma controversa e não tem previsão de ser encerrado— e das milícias digitais que deram a Moraes a conexão necessária para que ele se tornasse relator dos principais casos relacionados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.

Uma dessas investigações é a da tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, que colocou Bolsonaro no banco dos réus.

Os procedimentos sob supervisão de Moraes dominam a pauta criminal do Supremo desde 2019 e coincidem com o ocaso da Operação Lava Jato.

Na Lava Jato, decisões do ministro Edson Fachin acabaram derrotadas na Segunda Turma da corte, que tem maioria de integrantes contrários à operação, ou foram desidratadas após a anulação de provas da delação da Odebrecht pelos ministros Ricardo Lewandowski (que se tornou ministro da Justiça do governo Lula) e Dias Toffoli.

Para além das investigações sob supervisão de Moraes, outros casos passaram a se acumular nas mãos de ministros, relacionados a suspeitas diferentes.

Um deles é a operação Sisamnes, deflagrada em novembro do ano passado por autorização do ministro Cristiano Zanin. Ela tinha como conexão inicial a apuração das relações do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves com vendas de decisões e vazamentos no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

À época, Zanin decidiu trazer para sua supervisão no Supremo outras investigações que envolviam suspeitas relacionadas a Andreson. Por exemplo, as de corrupção e venda de decisões nos tribunais de Justiça de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul.

Na esteira disso, também subiram para o Supremo as investigações relacionadas à morte do advogado Roberto Zampieri, morto em 2023, cujo conteúdo do celular deu início às investigações sobre os esquemas.

Recentemente, o inquérito sobre essa morte encontrou indícios de que os executores participavam de um grupo chamado C4 (Comando de Caça a Comunistas, Corruptos e Criminosos), que dizia oferecer serviço de monitoramento de autoridades como deputados, senadores e integrantes do Judiciário.

Além desses casos, também passaram para o crivo de Zanin as apurações a respeito do vazamento de informações sobre duas operações ocorridas no Tocantins que estavam sob a responsabilidade de ministros do STJ.

Até agora, nenhum ministro do STJ é investigado nesses inquéritos. Os integrantes da corte têm foro especial no Supremo.

Um dos casos com desdobramentos que podem atingir centenas de nomes é a operação Overclean, que foi deflagrada no ano passado por suspeitas de desvios de R$ 1,4 bilhão em contratos do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional.

A operação apurou fraudes em licitações de lixo, direcionamento irregular de emendas e corrupção em prefeituras.

O inquérito, que tem entre os seus principais alvos pessoas ligadas ao União Brasil, foi para o Supremo por citar o deputado federal Elmar Nascimento, que representa o partido pela Bahia. A última fase da operação aconteceu em abril.

Quando as investigações sobre a Overclean subiram para o STF, a Polícia Federal pediu para que elas ficassem sob a responsabilidade de Flávio Dino, e não Kassio Nunes Marques.

A PGR (Procuradoria-Geral da República) opinou que elas deveriam continuar com Kassio, decisão mantida pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso.

Entre outros motivos, a PF queria que o caso ficasse com Dino porque o ministro tem em suas mãos diversas investigações relacionadas a emendas parlamentares, além de uma ADPF (ação com o objetivo de proteger a Constituição) que também trata do tema.

Na ADPF, Dino tem determinado apurações a respeito de eventuais irregularidades na transferência e execução de emendas.

Ele definiu que estados e municípios prestem contas ao governo federal sobre as chamadas emendas Pix recebidas entre 2020 e 2023, com possibilidade de apurações de responsabilidades em caso de omissão dos agentes públicos.

A partir de uma decisão do ministro nessa ação, a Polícia Federal instalou em dezembro um inquérito para apurar o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares pela Câmara dos Deputados.

Além disso, Dino é responsável pelo inquérito que investigou e levou à denúncia sob acusação de corrupção do ex-ministro Juscelino Filho, que é deputado pelo União Brasil do Maranhão.

Também está com Dino a operação EmendaFest, sobre pagamentos de propina na liberação de recursos para um hospital no Rio Grande do Sul.

O advogado e professor de direito penal da FGV-SP Marcelo Cavali, afirma que o Supremo costuma ser menos contido do que juízes de primeira instância para reconhecer conexões em casos muito amplos, já que há menos possibilidade de que o processo seja considerado nulo posteriormente —porque não há tribunal acima do STF.

Segundo ele, isso pode ser um dos motivos para que alguns casos fiquem mais concentrados nas mãos de determinados ministros.

Ele aponta, porém, que os casos de Moraes ainda são o ponto fora da curva. “Em nenhum processo, nem anterior, nem posterior aos inquéritos das fake News e das milícias digitais, o Supremo teve uma interpretação tão ampla sobre conexões”, diz Cavali.

“[A partir dele] o Supremo passou a adotar uma visão que eu chamaria de amplíssima conexão, porque foram encaminhados ao ministro Alexandre processos relacionados a fatos que nem sequer haviam ocorrido ainda no momento da instalação do inquérito.”


As investigações supervisionadas pelos ministros

Alexandre de Moraes (Inquérito das fake news)

Aberto em 2019, serviu como base para que o ministro ficasse responsável, desde então, por apurações relacionadas a atos antidemocráticos e ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores

Cristiano Zanin (Operação Sisamnes)

Iniciada a partir da investigação do assassinato de um advogado de Mato Grosso, passou a investigar vendas de decisões e vazamentos de informações sigilosas em tribunais estaduais e também no STJ (Superior Tribunal de Justiça)

Kassio Nunes Marques (Operação Overclean)

Suspeitas de desvios de R$ 1,4 bilhão em contratos do Dnocs abriram espaços para a investigação de empresários e políticos de diversos estados brasileiros, sobretudo com ligações com o União Brasil

Flávio Dino (Emendas parlamentares)

Ministro é responsável por inquéritos que tratam de suspeitas de desvios de emendas parlamentares e também de uma ação ampla sobre o tema, determinando investigações da Polícia Federal e da CGU (Controladoria-Geral da União) sobre o tema



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