O ministro Alexandre de Moraes deve manter aberto o inquérito das milícias digitais em 2026. O destino da investigação tem sido motivo de debate no STF (Supremo Tribunal Federal).
Moraes tem indicado a necessidade de prorrogar o inquérito sob o argumento de que o cenário político deve ser conturbado no próximo ano, com o fim do julgamento sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na trama golpista e as eleições de 2026.
A Folha consultou sete ministros do Supremo, advogados com trânsito no tribunal e interlocutores de Moraes. A avaliação é que a corte consolida uma posição contrária ao término das investigações meses após colegas de toga pedirem a Moraes o fim do inquérito.
O inquérito das milícias digitais foi aberto pelo Supremo no mesmo dia de julho de 2021 em que Moraes encerrou o inquérito dos atos antidemocráticos. A investigação tem como foco o surgimento de uma organização criminosa de atuação digital e com núcleos separados para produção, publicação, financiamento e uso político de desinformação para atentar contra a democracia.
O escopo da investigação tem semelhanças com outro inquérito aberto pelo Supremo, em 2019, para investigar a disseminação de notícias falsas. O chamado inquérito das fake news, porém, tem um escopo mais restrito aos ataques ao Supremo e seus ministros.
O objeto da investigação sobre as milícias digitais cresceu de forma arrasadora. Começou mirando um núcleo de aliados do então presidente Jair Bolsonaro, revelando conexões do blogueiro Allan dos Santos com políticos e assessores da Presidência da República.
Foi no mesmo inquérito que a Polícia Federal avançou para a investigação da trama golpista para impedir a posse de Lula (PT) em 2022, a venda de joias presenteadas por autoridades estrangeiras e a falsificação de cartões de vacina da Covid-19.
Até Elon Musk é investigado no inquérito das milícias digitais. Ele tornou-se alvo em abril de 2024, após recusas em cumprir ordens judiciais, por possível “dolosa instrumentalização criminosa da rede social X”.
A avaliação de ministros do Supremo sobre a necessidade de manter as investigações que miram bolsonaristas passou por mudanças nos últimos meses.
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, era um dos defensores do fim dos inquéritos das fake news e das milícias digitais. Ele argumentava que era contra a perpetuação de investigações.
“Eu não saberia precisar uma data, não gostaria de me comprometer com uma data, mas acho que nós não estamos distantes do encerramento porque o procurador-geral da República já está recebendo o material. Caberá a ele pedir o arquivamento ou fazer a denúncia”, disse Barroso à Folha, em agosto de 2024, sobre o inquérito das fake news.
Quatro meses depois da declaração, Barroso indicou uma mudança de avaliação. “O inquérito está demorando porque os fatos se multiplicaram ao longo do tempo”, afirmou.
O ministro faz parte de um grupo no Supremo que entende que os inquéritos ainda são importantes para frear radicalismos e ataques às bases da democracia.
Interlocutores de Moraes apontam ainda outros fatores que julgam relevantes para a manutenção das investigações.
Uma delas é a proximidade das eleições de 2026. O pleito será realizado sob o comando de Kassio Nunes Marques no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Por mais que integrantes do Supremo acreditem que o ministro não fará concessões relevantes para o bolsonarismo, acredita-se que o empenho para o combate à desinformação não será o mesmo de Moraes e Cármen Lúcia.
Há ainda ministros que entendem que a eventual condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado pode causar uma efervescência dos movimentos radicais, com ataques ao Supremo na disputa pelo espólio bolsonarista.
O fato de que alvos das investigações no Supremo estão foragidos, como Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio, também é apontado como um fator importante para a prorrogação do inquérito.
Há ainda quem defenda no Supremo que o inquérito pode ser útil para dar resposta aos Estados Unidos caso o governo Donald Trump decida aplicar sanções contra autoridades brasileiras.
Não se descarta que a reação brasileira seja uma ofensiva contra Musk e seus negócios no Brasil por meio do inquérito das milícias digitais, embora esse cenário seja considerado remoto.
No julgamento em que a Primeira Turma do STF recebeu a denúncia da trama golpista, Moraes deu mostra do que tem pensado sobre as milícias digitais após o governo Bolsonaro.
“Nós sabemos que as milícias digitais continuam atuando, inclusive durante esse julgamento, tentando pegar trechos para montar. Porque a especialidade dessas milícias digitais é na produção e distribuição de fake news, para tentativa de intimidar o Poder Judiciário”, disse o ministro.
“Não perceberam que se, até agora, não intimidaram o Poder Judiciário, não vão intimidar o Poder Judiciário. Seja com milícias digitais nacionais ou estrangeiras, porque o Brasil é um país soberano e independente”, completou.
O inquérito das milícias digitais foi prorrogado por Moraes 11 vezes desde sua instauração, em 2021. A investigação é realizada pela Diretoria de Inteligência Policial —setor dentro da Polícia Federal que concentra investigações sobre Bolsonaro e aliados.
Apesar da última prorrogação, em junho de 2024, o inquérito teve pouca movimentação nos últimos 12 meses. Moraes negou alguns pedidos de compartilhamento das informações e indeferiu pedidos avulsos.
O último prazo do inquérito venceu em 27 de março. Na véspera, a Polícia Federal enviou um ofício ao STF solicitando a “dilação de prazo para conclusão de diligências em andamento”. A PGR concordou com o pedido de prorrogação.
“Imprescindível, por fim, que se aguarde a conclusão das medidas enumeradas como faltantes pela autoridade policial, além de outras que possam delas serem reflexas, para possibilitar um juízo adicional e mais abrangente sobre os fatos investigados, mostrando-se adequada a continuidade da colheita de elementos de informação”, disse o procurador-geral Paulo Gonet em 29 de abril.
Moraes ainda não decidiu, nos autos, se vai prorrogar a investigação. Enquanto isso, o inquérito segue à espera de confirmação para avanço de diligências. Procurado, o STF não se manifestou.