A prisão do ex-presidente Fernando Collor consolida uma relação ambígua do STF (Supremo Tribunal Federal) com a Operação Lava Jato, talvez em seus derradeiros capítulos.

A condenação e o encarceramento de uma simbólica figura da história do país expõem uma vez mais o comportamento oscilante dos ministros com a investigação que mais fortemente impactou a política brasileira na história.

Em um momento de fraqueza da operação, quando nem o Ministério Público parece mais disposto a defender seus processos remanescentes, a corte pune um dos políticos mais controversos da história brasileira, que havia escapado da cadeia até em sua célebre destituição no Congresso, mais de 30 anos atrás.

Mesmo críticos como o ministro Dias Toffoli votaram pela condenação, sacramentada em 2023 e que foi baseada em muitos dos elementos descartados em tantas outras ações, como delações obtidas após longas temporadas de prisão.

Com a prisão de Collor, uma figura há anos no ostracismo político, sem aliados ou eleitorado fiel, a Lava Jato obtém um trunfo tardio, depois de anos de derrotas e anulações de processos. Pouco resta nos tribunais da investigação que emparedou o sistema político na década passada e que favoreceu a ascensão do bolsonarismo.

Seus mais variados alvos foram se beneficiando de reviravoltas e se livraram de acusações e da cadeia —o empreiteiro Léo Pinheiro e o ex-ministro Antonio Palocci são só alguns exemplos recentes.

Se hoje é fácil fulanizar os erros e abusos cometidos nas figuras dos políticos Sergio Moro e Deltan Dallagnol, pouco se costuma lembrar que a mais alta corte do país ratificou grande parte das iniciativas dos dois uma década atrás.

Da prisão dos primeiros alvos, em 2014, passando pelo acordo da Odebrecht e a rejeição do habeas corpus a Lula, em 2018, muito foi feito com o aval do STF. Era uma época em que a corte ainda se sentia pressionada a desmentir a famosa frase de Romero Jucá, o então senador que foi gravado pregando um “acordo nacional, com Supremo, com tudo” para barrar a investigação iniciada em Curitiba.

Gilmar Mendes, que recentemente se disse orgulhoso do “desmanche da Lava Jato” por considerar que havia uma organização criminosa no comando da operação, avalizou uma das mais polêmicas medidas daquela época, a liberação por Moro dos áudios de conversa de Lula e Dilma Rousseff, em 2016, ao usá-la como fundamento para barrar a posse do hoje presidente como ministro da Casa Civil.

Cármen Lúcia, a estrategista de julgamento que negou o habeas corpus a Lula em 2018, também mudou o perfil de seus votos ao longo dos anos. Foi dela o voto decisivo para declarar a parcialidade de Moro em julgamento em 2021, após alterar o próprio posicionamento dois anos antes no mesmo processo.

A mudança de posições refletiu o clima político ao redor da Lava Jato, que se transformou sobretudo após a revelação de conversas entre Moro e procuradores que mostraram colaboração entre juiz e acusação, o que é ilegal.

A operação permanece, contudo, quase como uma sombra no tribunal, como pôde ser visto no recente julgamento da denúncia contra Jair Bolsonaro, em março.

As práticas da operação volta e meia voltavam aos debates na sessão, e Alexandre de Moraes chegou a criticar o modelo de delação premiada que vigorava anteriormente —sem mencionar, por exemplo, que foi Cármen Lúcia quem homologou os acordos dos delatores da Odebrecht, em 2017.



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