O acirramento da disputa política entre aliados da governadora Raquel Lyra (PSD) e do prefeito do Recife, João Campos (PSB), travou pautas em tramitação na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Os dois políticos são potenciais adversários nas eleições para o governo estadual em 2026.
Desde o início de 2023, a relação entre a gestão de Raquel e a Assembleia é marcada por tensões e críticas de parte a parte.
O novo episódio de embate envolve a estagnação de um empréstimo de R$ 1,5 bilhão para captar recursos para obras estruturantes, visto como crucial para alavancar a popularidade da governadora, e a nomeação do administrador de Fernando de Noronha antes que tenha sido sabatinado pelos deputados.
Sem base aliada consistente na Assembleia, o governo atribui o trancamento da pauta à antecipação da campanha eleitoral de 2026, uma visão corroborada por aliados na Casa.
A oposição passou a ter uma atuação mais contundente neste ano e tem colocado obstáculos para as votações. No caso do empréstimo, cobra o detalhamento de informações sobre os gastos e aponta que outros R$ 9,2 bilhões já foram aprovados desde 2023 para o governo de Raquel usar em investimentos.
“Esses empréstimos são falhos, já aprovamos um valor expressivo, e o governo parece não ter capacidade de executar. A taxa de execução é de 60% do que foi aprovado, menor que na gestão anterior [de Paulo Câmara, que era do PSB]”, diz o deputado estadual Antônio Coelho (União Brasil).
Dois movimentos de Raquel irritaram o presidente da Assembleia, Álvaro Porto (PSDB), rompido politicamente com a governadora, e deputados próximos a ele.
Mesmo com o empréstimo de R$ 1,5 bilhão travado desde março, Raquel enviou, no início de junho, novo pedido de R$ 1,7 bilhão, o que foi interpretado como uma pressão sobre o Legislativo.
Outro fator que desagradou os deputados, inclusive aliados do governo, foi que a governadora nomeou o advogado Virgílio Oliveira como administrador interino de Fernando de Noronha, driblando a Assembleia, que até agora não fez a sabatina nem votou a indicação dele de forma oficial para o cargo.
A legislação permite à chefe do Executivo nomear administradores interinos para o arquipélago enquanto a Assembleia não aprova uma indicação definitiva. No caso concreto, Raquel optou por indicar o mesmo nome, antecipando, na prática, o início da gestão de Virgílio em Noronha.
Virgílio é advogado e filho do deputado federal Waldemar Oliveira (Avante). A indicação dele foi o meio que a governadora encontrou para tirar o Avante da base aliada de João Campos no Recife. A sabatina dele deve acontecer em agosto.
A tendência é que a votação do primeiro pedido de empréstimo, de R$ 1,5 bilhão, aconteça apenas no segundo semestre, já que o recesso parlamentar será em julho.
Deputados estaduais também querem o pagamento de emendas impositivas referentes a 2024 cujos recursos não foram liberados. Conforme a Folha mostrou em maio, o governo alega problemas na elaboração das emendas, mas essa versão não convenceu os parlamentares.
Um obstáculo para o governo é que as três principais comissões da Assembleia são presididas, de 2025 a 2026, por opositores do governo. Na comissão de Justiça, o PL chegou à presidência após ter votos dos deputados do PSB de João Campos.
“Tivemos uma antecipação muito grande da campanha eleitoral. Nos primeiros dois anos, a governadora não teve dificuldades nas aprovações de projetos. Nas eleições, Raquel derrotou o grupo do prefeito em vários municípios. A partir daí, houve uma articulação do PSB com a bancada bolsonarista [contra a governadora]”, diz o deputado estadual João Paulo (PT), ex-prefeito do Recife.
A bancada petista, formada por três deputados, é, em tese, de oposição, mas, na prática, tem votado predominantemente a favor do governo.
Em meio ao impasse, o reajuste salarial de 6,27% para educadores da rede estadual foi aprovado no dia 9 de junho, após três semanas de dificuldades para garantir quórum mínimo para as votações. O crédito suplementar para festejos juninos nos municípios foi aprovado na terça-feira (17), a poucos dias do feriadão de São João, comemorado em 24 de junho.
Enquanto trava embates com a Assembleia, Raquel Lyra busca fortalecer o seu partido politicamente. O PSD chegou a 68 prefeitos filiados –de um total de 184– na semana passada, sendo o maior partido com gestores municipais em Pernambuco. A governadora aposta nos prefeitos como cabos eleitorais em 2026 para reverter o cenário, já que pesquisas têm indicado João Campos à frente.
No Recife, a Câmara Municipal autorizou a prefeitura a captar R$ 900 milhões em empréstimos para infraestrutura. Foram 29 votos favoráveis e 7 contrários. A maioria dos que foram contra são vereadores bolsonaristas, que lideram a oposição a João Campos. A oposição na capital diz que, desde 2021, o prefeito conseguiu R$ 3,7 bilhões em empréstimos.