Leo Lins diz a auditórios frases assim: “Tem ser humano que não é 100% humano. O nordestino do avião? 72%.” “Como vou emagrecer?’ Pegando Aids! Você não adora comer de tudo? Sai comendo gay sem camisinha!” Foi condenado a prisão, multa e indenização. O Brasil tem lei contra discriminação. Mas Leo Lins usa crachá de humorista. Por isso, diz, pode caçar risada por qualquer bagatela.
Gilmar Mendes processou dois jornalistas por reportagem que descrevia investigação da compra, pelo governo de Mato Grosso, de universidade da qual o ministro era sócio. Derrotado em primeira e segunda instâncias, ganhou no STJ.
Os ministros Ricardo Cueva, Humberto Martins, Daniela Teixeira, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi condenaram revista a pagar R$ 150 mil. Alegam “excesso de ironia”, “limites do direito de informar”. Destacam a “honra de uma autoridade pública” e ensinam que liberdade de expressão não se confunde com “irresponsabilidade de afirmação”.
A desembargadora Iris Helena Nogueira processou jornalista que divulgou salários de magistrados. No mês de abril de 2023, ela teria sido a campeã ao receber R$ 662 mil. A juíza Káren Bertoncello condenou repórter a indenização de R$ 600 mil. Disse que, apesar de ser informação pública, foi descontextualizada e teve efeito sensacionalista. Defendeu equilíbrio entre direito de informar e integridade moral.
Cada nova decisão sobre usos da liberdade de expressão provoca a esfera pública a opinar sobre seu erro ou acerto. Até que venha o caso seguinte e recomecemos a opinar, com indignação, surpresa ou alívio, sobre seu erro ou acerto.
E assim vamos gastando tempo no varejo apaixonado do caso a caso e perdemos de vista uma questão preliminar. Sabemos que liberdade de expressão tem limite, mas o Judiciário não demonstra interesse nem capacidade em definir onde ele se encontra. Muito menos em estabilizar esse limite de forma coerente.
A jurisprudência da liberdade de expressão tem muito pouco de “juris” e de “prudência”. Chamamos assim por vício vocabular e por apego ao ilusionismo conceitual. No atacado, percebe-se que decisões sobre o tema têm se limitado à fórmula do “acho que sim, acho que não”, conforme manda o coração.
Frases de efeito substituem critérios decisórios, instinto apressado substitui análise das nuances do caso concreto. Nesse festival retórico de um amontoado de decisões que não dialogam, os mesmos slogans fundamentam absolvição ou punição. Sem que entendamos o porquê da diferença.
Enquanto não houver tentativa sincera de construir critério compartilhado e previsibilidade, o Judiciário continuará a simular proteger direitos enquanto nos entrega particularismo irracional, discriminatório e arbitrário. “Cada caso é um caso” e “cada cabeça uma sentença” são máximas do decisionismo. Com prática judicial assim, a liberdade desaparece.
Sabemos muito pouco sobre o que podemos falar. No campo da incerteza absoluta, a liberdade fica arriscada demais.
Mais um serviço que STF e Judiciário prestam ao projeto autocrático: a absoluta imprevisibilidade do significado da liberdade de expressão facilita a vida de quem a invoca para atacar a democracia e violar direitos. Um conceito deixado vazio é mais fácil de ser manipulado. Fica mais barato gritar pela liberdade e praticar o seu contrário.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.