Como esperado, o ministro Alexandre de Moraes propôs ampla responsabilização das plataformas de internet por conteúdo de terceiros e seguiu o voto drástico do ministro Dias Toffoli no julgamento do STF sobre o Marco Civil da Internet.
Assim como Toffoli, Moraes propõe que uma categoria de conteúdos pode gerar responsabilidade imediata das plataformas, mesmo sem serem comunicadas previamente do fato. Com isso, elas teriam que monitorar ativamente uma série de conteúdos como discurso de ódio, atentado contra a democracia, racismo, nazismo e fascismo, além de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral.
O ministro também defendeu que as plataformas de internet sejam equiparadas a meios de comunicação tradicionais, que haja transparência sobre o funcionamento dos algoritmos e que os representantes das empresas possam ser responsabilizados penalmente — medidas que ele já havia mencionado em outras ocasiões e não são consensuais na corte.
O julgamento dos dois recursos extraordinários já tem maioria de 7 entre os 11 ministros para mudar o artigo 19 do Marco Civil, principal lei que regula a internet, desde 2014. Apenas o ministro André Mendonça votou pela constitucionalidade do artigo 19.
Só não se sabe ainda o grau da mudança no regime de responsabilidade das big techs.
Atualmente, segundo o Marco Civil, as empresas só podem ser punidas por eventuais danos decorrentes de conteúdo caso ele não seja removido após ordem judicial. Há apenas duas exceções —nudez não consentida, que está no artigo 21 do Marco Civil, e violação de propriedade intelectual. Nesses casos, basta uma notificação extrajudicial, como uma denúncia de usuário.
Toffoli, Fux e Moraes propõem punição mesmo antes de notificação para determinados conteúdos. Gilmar Mendes também, mas com ressalvas.
A posição é diferente da defendida por Luís Roberto Barroso, Flávio Dino e Cristiano Zanin. Eles preveem que a maioria dos conteúdos passem a se encaixar no artigo 21 do Marco Civil: bastaria uma notificação extrajudicial (denúncia privada) para que as plataformas possam ser responsabilizadas por danos decorrentes da não remoção de conteúdo nesses casos. Esse é o regime em vigor na União Europeia —o “notice and take action” (tomar conhecimento e agir).
Moraes, no entanto, distanciou-se da parte mais radical do voto de Toffoli —a de que as plataformas teriam responsabilidade objetiva (sem necessidade de culpa ou dolo) em uma série de conteúdos.
O ministro especificou que não prevê responsabilidade objetiva e falou em responsabilidade solidária (tanto a empresa como o autor da postagem poderiam ser punidos). As big techs preferem que, em caso de mudança no regime de responsabilidade, seja subsidiária (só são alvo de sanções se o autor da postagem não puder ser cobrado).
O ministro seguiu a linha de suas decisões quando estava à frente do Tribunal Superior Eleitoral e da resolução 23.714 de novembro de 2022, que vedou desinformação eleitoral.
Moraes juntou-se ao consenso entre os sete ministros para que as empresas sejam responsáveis por conteúdos patrocinados ou impulsionados, sem necessidade de nenhum tipo de notificação. A lógica é: há presunção de conhecimento prévio do conteúdo e, se a empresa ganha dinheiro com ele, precisa também ser responsável. O mesmo se aplicaria a robôs e contas inautênticas (redes de distribuição artificial).
Também há consenso sobre a obrigatoriedade de ter representante em território nacional para as redes sociais e aplicativos de mensagem que atuam no Brasil.
E Moraes se junta a Dino, Zanin, Barroso e Gilmar ao propor um “dever de cuidado” semelhante ao estabelecido pela Lei de Serviços Digitais (DAS) da União Europeia. Provedores de redes sociais acima de um determinado número de usuários precisam fazer relatórios identificando preventivamente riscos sistêmicos à democracia decorrentes do uso de seus serviços, e demonstrando as providências que estão tomando em relação a isso.
Embora Moraes tenha ressaltado que há muitas coisas em comum entre as teses dele e as dos outros ministros que votaram por mudanças, há diferenças importantes que precisarão ser resolvidas na decisão final do tribunal.
O ministro disse que seria “absolutamente necessário” que as big techs sejam legalmente equiparadas a meios de comunicação. Ministros como Barroso e Zanin não necessariamente concordariam com isso. Transparência algorítmica tampouco é consenso.
E o ministro Edson Fachin, que teve o voto adiado para o dia 25, já avisou que irá propor uma tese intermediária a Dino/Barroso e Moraes/Toffoli.