O senador Rogério Marinho (PL-RN) negou ao STF (Supremo Tribunal Federal) que houvesse qualquer planejamento golpista da cúpula do governo de Jair Bolsonaro (PL) e afirmou que o ex-presidente se preocupava com a “civilidade” do processo de transmissão do cargo.
“Havia uma preocupação grande de que não houvesse excessos, houvesse civilidade na transmissão do poder, do cargo. Todos nós estávamos chateados com o processo eleitoral, não esperávamos a derrota”, disse o parlamentar.
As declarações foram dadas em depoimento como testemunha do processo da trama golpista de 2022. Ele foi indicado pelas defesas de Bolsonaro e do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-companheiro de chapa de Bolsonaro.
Na Presidência, Bolsonaro acumulou uma série de declarações golpistas às claras, provocou crises entre os Poderes, colocou em xeque a realização das eleições de 2022, ameaçou não cumprir decisões do STF e estimulou com mentiras e ilações uma campanha para desacreditar o sistema eleitoral do país.
Após a derrota para Lula, incentivou a criação e a manutenção dos acampamentos golpistas que se alastraram pelo país e deram origem aos ataques do 8 de Janeiro.
Nesse mesmo período, adotou conduta que contribuiu para manter seus apoiadores esperançosos de que permaneceria no poder e, como ele mesmo admitiu publicamente, reuniu-se com militares e assessores próximos para discutir formas de intervir no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e anular as eleições.
Apesar disso, Marinho afirmou ter visto Bolsonaro “preocupado que não houvesse bloqueio de rodovias, impedimento”.
“Para que não fosse colocado sobre ele a pecha de que queria atrapalhar a economia ou a própria mudança de comando do país”, afirmou Marinho.
O senador relatou ter se encontrado com o então presidente cerca de dez vezes depois do resultado das eleições daquele ano. De acordo com ele, o tema das conversas era o futuro do partido, o PL, a avaliação das razões para o insucesso nas urnas, e os próximos passos.
“O presidente o tempo todo falava a respeito da eleição do Congresso Nacional, da importância de ele ter a presença do Senado e da importância do crescimento do PL”, disse.
O senador afirmou que, nos encontros no Palácio da Alvorada, esteve com Braga Netto em apenas duas ocasiões.
Com a audiência do parlamentar, o Supremo encerra a etapa de audiências com as testemunhas do primeiro núcleo do processo sobre a trama golpista de 2022, iniciadas em 19 de maio.
Ao longo das últimas duas semanas, o STF ouviu 52 testemunhas. Dessas, foram 5 de acusação e 47 das defesas. Duas juntaram declarações por escrito.
Ao longo dos depoimentos, as testemunhas das defesas deram declarações que afastavam os réus de tratativas golpistas, afirmando que nunca ouviram conversas sobre minutas golpistas ou, no caso de subordinados, nunca receberam ordens para atrapalhar o processo eleitoral ou o de transição à chapa vencedora.
As primeiras testemunhas ouvidas foram as da acusação, incluindo os ex-comandantes do Exército general Freire Gomes e do ex-chefe da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior, figuras centrais para a denúncia.
Baptista Júnior confirmou que o general Freire Gomes comunicou em 2022 a Jair Bolsonaro (PL) que teria de prendê-lo caso o então presidente avançasse com planos golpistas contra a eleição de Lula (PT).
“Confirmo sim, senhor. Acompanhei anteontem [segunda-feira] a repercussão [do depoimento de Freire Gomes], estava chegando de viagem. Freire Gomes é uma pessoa polida e educada, não falou com agressividade, ele não faria isso. Mas é isso que ele falou. Com muita tranquilidade, calma, mas colocou exatamente isso. ‘Se fizer isso, vou ter que te prender’”, disse o brigadeiro.
No dia 19, o ex-comandante do Exército afirmou que não ameaçou Bolsonaro nem deu ordem de prisão contra ele. Declarou que somente indicou que ele poderia ser “enquadrado juridicamente” caso adotasse uma medida ilegal e que o Exército “não iria atuar em algo que iria extrapolar nossa competência constitucional”.
Baptista Júnior, por sua vez, disse ao Supremo que as conversas com Bolsonaro tiveram um tom golpista crescente em novembro. Em uma das reuniões com o presidente e com Paulo Sérgio, o brigadeiro afirmou que foi aventada a possibilidade de prisão do ministro Alexandre de Moraes, então presidente do TSE.
“Era no brainstorm das reuniões que isso aconteceu. Eu lembro que houve essa cogitação de prender o ministro Alexandre de Moraes, que era presidente do TSE, e amanhã o STF vai soltar um HC [habeas corpus] para soltar ele, e vamos fazer o quê? Vamos prender todo mundo? Estava no brainstorm, e ficou no desconforto”, disse o ex-chefe da Aeronáutica ao STF.
Moraes foi duro nos depoimentos com testemunhas. O perfil ficou evidente com a insinuação de que o general Freire Gomes mentia em juízo e chegou ao ápice quando Moraes ameaçou prender o ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo por desacato.
Ainda assim, desde o início do processo, Moraes teve mais demonstrações de apoio dos colegas nos bastidores que críticas à forma como tem conduzido a ação penal. Um dos ministros disse à Folha que a imparcialidade do relator não pode ser confundida com inércia na busca pela verdade.
Advogados dos réus, porém, afirmam que o magistrado não tem contemplado a garantia constitucional do contraditório. Uma das razões apontadas por eles foi a falta de acesso ao material completo das provas antes da abertura da ação penal e, agora, a dificuldade de acesso e de tempo para análise de todos os documentos.
Ao longo das análises da denúncia, houve embate com advogados, telão em sessão, exibição de vídeos, apelo a pessoas de bem, celulares lacrados. As audiências tiveram também microfones cortados, proibição de gravação de áudios, além da bronca em testemunha, uma das mais importantes do caso, e ameaça de prisão por desacato.