Nesta quarta-feira (7), a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal 1ª Região (TRF-1) condenou, por unanimidade, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) a liberar um conjunto de informações já desclassificadas, mas que seguiam ilegalmente mantidas pelo órgão sob sigilo. A ação foi movida pela Fiquem Sabendo com atuação do escritório LimaLaw e representa um marco inédito: é a primeira grande vitória judicial com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) contra o uso abusivo e indefinido do sigilo no Brasil. A decisão é de segunda instância. Cabe recurso.

A determinação do TRF-1 reafirma o que a LAI prevê desde o início de sua vigência em maio de 2012: os prazos máximos de sigilo são de cinco anos para as informações reservadas, 15 anos para as secretas e 25 anos para as ultrassecretas. “Transcorrido o prazo de classificação”, a “informação tornar-se-á, automaticamente, de acesso público”. Conforme argumentamos no processo, não há qualquer margem de discricionariedade à administração pública em conceder —ou não— acesso a essas informações.

Para o advogado Fernando Canhadas, responsável pela ação, a decisão “é histórica”.

“Sempre houve uma confusão conceitual em relação ao âmbito de aplicação da LAI. Alguns órgãos se viam alheios à LAI justamente pela natureza das informações que eles detêm, e a Abin é o exemplo mais icônico disso”, afirma Canhadas, autor de “O Direito de Acesso à Informação Pública: o Princípio da Transparência Administrativa”, obra pioneira entre a doutrina relativa à LAI no país.

A ação da Fiquem Sabendo foi ajuizada em 2020 como desdobramento do nosso Projeto Sem Sigilo, que mobilizou voluntários em todo o país para solicitar a íntegra de documentos cujo prazo de classificação havia expirado. Recebemos milhares de páginas de dezenas de órgãos, mas também enfrentamos a resistência da Abin, do GSI, do Ministério da Defesa, das Forças Armadas, da Polícia Federal e do Itamaraty, que simplesmente se recusaram a entregar os documentos, mesmo sem respaldo legal. O repórter Eduardo Militão, do UOL, que participou da nossa força tarefa, foi o autor dos pedidos feitos com base na LAI que fundamentaram nosso pedido.

E por que escolhemos processar justamente a Abin? Nossa aposta é que, vencendo o órgão mais resistente à transparência pública no país, os demais cairiam por gravidade.

Durante o processo, a União não contestou que os documentos estavam desclassificados. Alegou apenas que seu conteúdo poderia “expor a própria agência, bem como os servidores que nela trabalham”. Em primeira instância, contrariando o espírito da LAI, a Justiça entendeu que a Abin atuaria em “universo específico” e que caberia à própria agência decidir o que divulgar e quando. A decisão, agora derrubada, sustentou, na prática, que a Abin poderia se autolegislar —posição, felizmente, corrigida pela segunda instância.

Se o governo pudesse manter sob sigilo informações cujo prazo já expirou, então não existe prazo algum. E imperaria, na prática, o sigilo eterno.

Essa mudança de entendimento da Justiça Federal, agora sim em consonância com o direito fundamental à informação consagrado pela CF88, delimita um precedente valioso. “É um divisor de águas que vai nortear a partir de agora a atuação dos próprios órgãos que detêm informações desta natureza”, explica Canhadas.

A decisão unânime em favor da Fiquem Sabendo é uma vitória histórica da sociedade civil. Representa o reconhecimento explícito, pelo Poder Judiciário, de que os limites do sigilo no Brasil existem —e devem ser respeitados. O sigilo não pode ser eterno. A lei é clara. E a informação pública pertence ao povo.


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