A diretoria administrativa de Itaipu Binacional fez uma alteração em seu manual de recursos humanos que beneficiaria apenas dois profissionais entre os mais de 1.300 trabalhadores de toda a empresa: uma colega da primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, e o ex-prefeito de uma cidade paranaense.
A mudança, aprovada no dia 23 de maio, daria aos dois profissionais o direito de aderir ao programa de demissão voluntária da binacional, cuja indenização poderia chegar a R$ 1 milhão para cada um.
A alteração nas regras foi revogada em 10 de junho, um dia depois de a empresa ser procurada pela Folha para comentar o caso.
O programa de demissão voluntária da binacional foi implementado em 2007. Pelas regras estabelecidas, são elegíveis funcionários que têm vínculo empregatício com Itaipu, segundo o site do Sinefi (Sindicato dos Eletricitários de Foz de Iguaçu). Uma atualização do plano, ocorrida em 2020, endossou a proibição.
A mudança estabelecida pela diretoria administrativa em maio estendeu a possibilidade de adesão aos trabalhadores requisitados (servidores originários de outros órgãos públicos) que entraram no quadro de Itaipu antes de 2006.
Segundo informações obtidas pela Folha, só dois trabalhadores se enquadrariam nessa categoria: Leila Alberton, assistente da Diretoria de Coordenação, e Gilmar Secco, superintendente de meio ambiente. Ambos são professores, tendo contribuído para a previdência de seus órgãos de origem.
A medida concedia aos profissionais requisitados até 2006 o direito a aviso prévio e à adesão ao plano de demissão nos moldes praticados aos trabalhadores do quadro próprio, mesmo sem vínculo empregatício com Itaipu nem contribuição para o sistema de previdência.
Professora do município de Medianeira (PR), Leila Alberton foi requisitada por Itaipu em junho de 2004. Ela compunha, segundo relatos de profissionais que atuavam na empresa, um grupo formado também por Janja e a atual assistente da diretoria-geral brasileira Silvana Vitorassi.
Janja prestou consultoria para Itaipu Binacional até 2004, sendo depois integrada ao quadro de funcionários. De 2012 a 2017, ela atuou na Eletrobras, no Rio de Janeiro, após ter sido requisitada. Em 2019, quando seu relacionamento com Lula já era público, ela aderiu ao programa de demissão voluntária de Itaipu.
Em 2017, o trio formado por Janja, Silvana e Leila participou de grupo de trabalho de educação ambiental, representando Itaipu durante as discussões. Silvana é o elo entre as outras duas.
Por sua vez, Gilmar Secco é professor estadual, com formação em educação física. Ele foi prefeito do município de Diamante do Oeste (PR), tendo sido filiado a MDB, PL e PP. Ao fim de seu segundo mandato, em 2005, ele foi requisitado para trabalhar em Itaipu na gestão de Jorge Samek.
No dia 9 de junho, a Folha enviou a Itaipu questionamentos sobre a decisão de estender a dois profissionais os benefícios aos quais os empregados efetivos têm direito quando optam por se desligar da empresa.
A reportagem perguntou ainda quem determinou a ampliação desse benefício, qual seria o valor da indenização e se esses funcionários públicos contribuíram para aposentadoria por seus órgãos de origem.
No dia seguinte, a determinação que favorecia aos dois profissionais foi revogada.
Em resposta encaminhada pela assessoria de imprensa, Itaipu Binacional afirmou que o documento assinada pela diretoria administrativa não chegou a ser implementado “e está sendo adequado à realidade da empresa e às normas trabalhistas”.
A empresa também afirmou reiterar “seu compromisso com o cumprimento da legislação trabalhista” e que “tem debatido a atualização das normativas de pessoal”.
Defensores da mudança de regras alegam que os profissionais requisitados não têm acesso aos mesmos direitos dos trabalhadores que não tinham outro vínculo antes de chegar à empresa. Os dois passaram a fazer parte do quadro antes da implantação dos processos seletivos na empresa.
Em resposta a outros questionamentos enviados pela Folha, Itaipu reiterou “não houve interferência externa de qualquer pessoa física ou autoridade no processo de elaboração ou revisão dos normativos alusivos ao PPDV [Programa Permanente de Desligamento Voluntário]”.
“Não há decisão administrativa vigente que equipare os referidos empregados a concursados com extensão automática de benefícios, como plano de carreira, anuênios ou adicionais”, afirmou a empresa.
Procurada por intermédio da Secretaria de Comunicação da Presidência, a primeira-dama não se manifestou.
Os dois requisitados afirmaram não haver previsão de recebimento de indenização.
“As informações mencionadas não correspondem à realidade. Não existe nenhuma previsão de recebimento de valores indenizatórios como citado. Trabalho na Itaipu desde 2004, mas nem tenho perspectiva de me aposentar em breve. Também não integro o plano de desligamento voluntário da empresa”, afirmou Alberton.
Secco disse, por sua vez, que abriria mão do beneficio caso fosse estendido a ele. “Informo que não recebi nenhuma comunicação formal ou informal sobre minha inclusão no plano de demissão voluntária. Lamento profundamente que meu nome e de outra colega tenham sido citados de forma indevida em um contexto com o qual não temos qualquer relação”.