Trocas de mensagens e um depoimento registrado no inquérito da chamada “Abin paralela” indicam que o coordenador-geral de operações da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) em 2022, no governo de Jair Bolsonaro (PL), sugeriu aos subordinados uma operação para tentar “virar a eleição” a favor do então presidente.

Em mensagens obtidas pela Polícia Federal, um servidor da Abin relata a um colega que o coordenador Alan Oleskovicz teria convocado três subordinados para uma reunião em que “ficou elucubrando uma operação ‘que poderia virar a eleição'”.

A troca de mensagens ocorreu em 3 de agosto de 2022, dois meses antes do primeiro turno das eleições gerais, quando Bolsonaro aparecia atrás de Lula (PT) nas pesquisas de intenção de voto.

Pesquisa Datafolha divulgada em 28 de julho daquele ano, seis dias antes da suposta reunião na Abin, mostrava Lula com 47% das intenções de voto, contra 29% de Bolsonaro.

“[Oleskovicz] chamou 3 da equipe de CI [contrainteligência] do Doint [Departamento de Operações de Inteligência] (do último concurso) e ficou elucubrando uma operação ‘que poderia virar a eleição'”, escreveu um oficial de inteligência por WhatsApp a um colega.

Oleskovicz foi indiciado por peculato e prevaricação no relatório de investigação da PF. A Folha procurou o agente, mas não houve resposta até a publicação deste texto. Os nomes dos demais personagens são omitidos da reportagem, pois eles atuam sob sigilo funcional.

Na mensagem, o servidor da Abin afirma que os três colegas que teriam participado da reunião o procuraram, depois do encontro, para “relatar o BO”, em referência ao episódio, que consideraram problemático.

Segundo o oficial, o coordenador-geral tentaria convencer o então secretário de Planejamento e Gestão da Abin, terceiro cargo mais alto da agência, a apoiar a missão.

“Cara, é isso. Não é à toa que [ele] é coordenador-geral. Não tenho nada contra bolsonaristas, mas ele talvez seja tipo aqueles da seita. É evangélico, conservador… Aí afunda a agência inteira com ele”, respondeu o interlocutor do agente, também por mensagens.

O plano de interferir na campanha eleitoral foi reforçado pelo depoimento de um servidor, em dezembro do ano passado. O oficial de inteligência relatou à PF ter ouvido o episódio de um colega, que teria relatado que a equipe de análise do departamento ficou horrorizada.

Segundo a versão que chegou ao depoente, em determinada reunião com outros departamentos, o coordenador teria dito que o trabalho de operações seria importante para ajudar na campanha do governo.

O coordenador-geral, de acordo com o depoimento, era vinculado a aliados do ex-diretor-geral e hoje deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). Além de coordenador-geral do Departamento de Operações de Inteligência, um dos mais importantes da agência, ele foi diretor substituto da área em 2022.

Ramagem faz críticas à investigação da PF e atribui as conclusões do inquérito a uma “rixa política”.

A sugestão dada pelo coordenador-geral da Abin aos subordinados voltou a levantar suspeitas sobre uma declaração de julho de 2022 do ex-ministro Augusto Heleno, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), ao qual a agência estava subordinada no governo Bolsonaro.

Durante reunião ministerial, Heleno falou em “montar um esquema para acompanhar o que os dois lados” estavam fazendo, citando uma possível “infiltração desses elementos da Abin em qualquer dos lados”.

Bolsonaro interrompeu o então ministro e pediu para que os dois conversassem de forma reservada em outro momento.

Em depoimento ao STF (Supremo Tribunal Federal) no último dia 10, Heleno afirmou que não é tecnicamente possível fazer a infiltração de agentes a curto prazo e que conversou com o então diretor da Abin para evitar possíveis ações violentas contra os candidatos. O general só respondeu às perguntas feitas pelo próprio advogado.

Ramagem deixou o comando da Abin em abril de 2022 para disputar as eleições. Até o final do governo Bolsonaro, a agência ficou sob o comando de Victor Carneiro, aliado dele e ex-superintendente no Rio de Janeiro.

O relatório da PF sobre a “Abin paralela” foi tornado público pelo STF nesta quarta-feira (18). Tanto o coordenador-geral citado como Ramagem e Victor foram indiciados.



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