Fernando Haddad (Fazenda) e Marina Silva (Meio Ambiente) estão em posições distintas, mas compartilham uma condição peculiar. Os dois veteranos foram escolhas pessoais de Lula (PT) para áreas que o presidente gostaria de ter como vitrines em seu terceiro mandato. Ao mesmo tempo, ocupam flancos vulneráveis de um governo incapaz de oferecer blindagem à dupla.
O processo permanente de desgaste dos dois ministros é sintoma de fragilidades individuais, mas também resultado de circunstâncias políticas que limitam a capacidade de ação e reação do terceiro governo Lula.
O frequente bombardeio ao ministro da Fazenda e o longo ataque direcionado à ministra do Meio Ambiente nas últimas semanas resumem esse ambiente.
Ambos assumiram a posição de alvos preferenciais num governo recheado de divisões internas e rodeado de aliados que guardam interesses em conflito com as agendas da dupla. Nesses círculos, há gente poderosa o suficiente para aplicar derrotas em série aos dois ministros.
Haddad se tornou um frequentador assíduo dessa arena. Ao patrocinar uma agenda de controle de gastos, o ministro entrou em conflito direto com pretensões políticas de colegas da Esplanada e, em muitos casos, do próprio Lula.
O ministro da Fazenda manteve protegida a espinha dorsal dessa plataforma, mas quase sempre foi incapaz de evitar certas torções, das menos às mais violentas.
A decisão do governo de adotar soluções financeiras criativas para bancar programas de isenção da conta de luz e distribuição de botijões de gás foi a repetição de uma longa tensão interna que opõe Haddad a operadores políticos que defendem a expansão de medidas capazes de alavancar a popularidade de Lula até as próximas eleições, como Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia).
O constante fogo amigo levou o ministro da Fazenda a buscar, em muitos casos, um refúgio de autopreservação marcado por alguma dose de isolamento na fabricação das medidas econômicas consideradas mais sensíveis.
Em circunstâncias como essas, Haddad mantém sua autoridade, mas também assume quase sozinho a responsabilidade por passos em falso. O tumulto provocado pela edição do decreto que aumentou o IOF, parcialmente revogado, pode ser considerado um exemplo dessa situação.
No meio do campo, há um presidente com energia insuficiente para se dedicar à proteção de peças-chave de seu governo. A estabilidade da agenda de Haddad pode ser um ativo para Lula, mas o presidente também tem sua própria sobrevivência política em vista, num horizonte mais próximo.
A queda de popularidade, a ameaça à reeleição e a proximidade da disputa tornaram mais imediatos os cálculos feitos pelo presidente na arbitragem de disputas internas envolvendo Haddad. A adoção de políticas que podem estar no programa eleitoral do petista no ano que vem se tornam prioridades.
Parte desses elementos também explica a vulnerabilidade de Marina. O avanço aparentemente inabalável do processo de liberação da exploração de petróleo na Margem Equatorial é uma amostra de que, em nome de projetos econômicos vultosos, o governo é capaz de andar na contramão da ministra e de braços dados com aliados fortes como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP)
Nos últimos dias, essa aliança deixou Marina no caminho de um trator, pilotado por Alcolumbre, que aprovou a flexibilização de regras de licenciamento ambiental. Cada vez mais dependente do senador, no meio da hostilidade enfrentada na própria base governista, a equipe de Lula nem mesmo teve condições de reforçar as linhas de defesa da ministra.
Restou ao presidente ficar ao lado de Marina depois que ela foi alvo de um ataque baixo de senadores na sessão desta terça-feira (27) da Comissão de Meio Ambiente. Lula e seus auxiliares deram apoio à ministra sem poder, ao menos até aqui, mudar de posição nos embates de mérito.