Etapa de um roteiro previsível que leva à certa condenação, Jair Bolsonaro tinha poucas alternativas ante um impassível Alexandre de Moraes no histórico momento em que um ex-presidente brasileiro foi inquirido na condição de réu acusado de tentar um golpe de Estado.

O que seus aliados venderam como um depoimento incisivo mostrou-se a demonstração de um líder buscando manter relevância em seu campo político, caprichando no psicodrama sobre as agruras pessoais no poder.

Argumentos objetivos, novos, contra as acusações não houve. Bolsonaro repetiu o que já dissera inúmeras vezes e tentou enfatizar que tudo o que se discutia dizia respeito a questionamentos acerca das urnas eletrônicas. Sem esse debate, “nós não estaríamos aqui”, disse mais de uma vez.

Moraes não concordou, por óbvio, mas a essa altura parece improvável que qualquer pedido de desculpa por “exageros” e “retórica” vá tirar o ministro do caminho telegrafado na denúncia da Procuradoria-Geral da República.

O magistrado também não caiu na tentativa de Bolsonaro de falar “do coração” ou em chistes, como no divertido e deslocado momento em que o ex-presidente disse que o queria como vice em 2026. Afora o “declino”, Moraes pareceu a um passo de lembrar o político de que ele está inelegível até 2030.

Ainda assim, o ministro manteve o bom humor que tem marcado sua conduta nesta fase do caso, soando tão certo do caminho a seguir que o sorriso e as intervenções parecem apenas visar aliviar a tensão ambiente.

Como Bolsonaro desenhou sua presença para recortá-la e apresentá-la em suas redes sociais, seu desempenho foi na mesma linha. Aí fica a questão: como o seu apoiador mais radical, aquele gostaria de ver a cabeça de Moraes num espeto metafórico ou real, reagiu ao clima de camaradagem.

Saíram os epítetos agressivos que marcaram sua relação com o ministro e entraram mesuras, “vossas excelências” e o supracitado pedido de desculpa por ter sugerido que Moraes levava a proverbial bola para orientar suas decisões. Mais: o pessoal que foi à porta de quartéis pedir sua permanência virou um grupo de “coitados” ou “malucos”.

Essa avaliação é vital para ver o quão acima da água, do ponto de vista político, segue o ex-presidente, com efeito cascata decantado sobre o cenário eleitoral de 2026, escolha de candidatos da direita, presença de algum parente seu na urna eletrônica etc.

Voltando ao Supremo, o depoimento validou em corte o que Bolsonaro já tinha feito antes, a admissão tácita de que sim, buscou virar a mesa, falando com naturalidade de “ilações”, estado de sítio, como se debatesse a edição de uma medida provisória.

Chegou a dizer que nada aconteceu porque “não tinha clima” para contestar a eleição —uma virtual confissão de culpa, exceto para alguém que acredite no verniz pouco crível de que o golpe seria constitucional, um artifício dos defensores da ditadura de 1964, como ele mesmo.

Bolsonaro até concordou que deveria ter agido antes, lembrando a fala do seu antecessor no banco de depoentes, Augusto Heleno, na famosa reunião que debateu o tema.

Restou também ao ex-presidente até pedir que Moraes reconsiderasse a multa de R$ 23 milhões que havia aplicado ao PL de Bolsonaro por litigância de má-fé ao buscar invalidar urnas no segundo turno de 2022. “O dinheiro está fazendo falta”, disse. “Já transitou em julgado, no plenário”, rebateu o ministro.

O depoimento conversa, historicamente, com um outro momento em que um ex-presidente sentou-se no banco dos réus. Foi há oito anos, um mês e um dia, mas parece ter sido em outra era geológica na política brasileira o dia em que Lula (PT) encarou Sergio Moro de frente.

Se as diferenças são muitas e evidentemente a história daquele duelo deu no que deu, é inescapável comparar a posição das peças: um ex-mandatário acuado e um magistrado polêmico que personificava um momento político-judicial.

Mas há um ponto de confluência. O que ocorreu na Justiça Federal em 2017 foi tão anticlimático quanto a troca de amenidades entre Moraes e Bolsonaro nesta terça (10).



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