A mobilização de Jair Bolsonaro (PL) pela anistia aos envolvidos nos atos golpistas do 8 de janeiro de 2023 está sintonizada com uma das teses centrais de sua defesa no julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) em que é acusado de ter liderado uma tentativa de golpe de Estado.
Os advogados de Bolsonaro adotam a linha de raciocínio de que os ataques do 8 de janeiro têm papel central para comprovação da empreitada golpista. Nesse sentido, o enfraquecimento do elo da data com o ex-presidente, assim como eventual perdão aos atos, poderia ser explorado como argumento jurídico para tentar uma reviravolta na tendência de condenação no julgamento, previsto para ocorrer ainda em 2025.
A sessão no STF que tornou Bolsonaro réu adiantou como a defesa dele trata o 8 de janeiro como crucial para tentar inocentá-lo.
A tese de seus defensores é que apenas o 8 de janeiro reuniria elementos para dar sustentação a uma ideia de tentativa de golpe, uma vez que os crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado estão atrelados na lei ao uso de violência ou grave ameaça. Ao mesmo tempo, defendem a ideia de que Bolsonaro estaria desvinculado do episódio, o qual teria repudiado.
Da mesma forma, o ex-mandatário tenta atingir o 8 de janeiro por meio da anistia, que poderia trazer um fato novo passível de reforçar os argumentos de sua defesa contra uma condenação, apontam especialistas ouvidos pela Folha.
Nas últimas semanas, antes de ser internado e passar por uma cirurgia, Bolsonaro intensificou uma mobilização pelo avanço do projeto no Congresso, embora negue publicamente buscar benefício próprio com a medida. Especialistas avaliam, entretanto, que o ex-presidente pode ser beneficiado pelo projeto a depender de seu teor final.
Na sessão de março do STF que tornou o ex-presidente réu na trama golpista, o advogado Celso Vilardi afirmou entender “a gravidade de tudo o que aconteceu no 8 de janeiro”, mas rechaçou que Bolsonaro tivesse algum vínculo com os ataques golpistas.
O próprio ex-presidente tem lembrado de maneira frequente em falas públicas que não estava no país no dia dos ataques, potencialmente corroborando a tese dos advogados.
Ele é acusado de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União, deterioração de patrimônio tombado e participação em uma organização criminosa. Se condenado, pode pegar mais de 40 anos de prisão e aumentar sua inelegibilidade, que atualmente vai até 2030.
A linha de raciocínio pela qual o 8 de janeiro teria papel central para a comprovação de tentativa de golpe explicaria também o empenho do ex-presidente em pedir uma anistia ao episódio.
Segundo Álvaro Palma de Jorge, professor da FGV Direito Rio, uma eventual anistia com abertura para beneficiá-lo “pode reforçar eventuais argumentos da defesa do ex-presidente, inclusive por trazer um fato novo [que não existia no momento da denúncia]”. O especialista lembra, entretanto, que a tentativa de perdão tem a tendência de ser considerada inconstitucional.
Concorda com a interpretação Gustavo Sampaio, professor de direito da UFF (Universidade Federal Fluminense), para quem um perdão aos participantes do 8 de janeiro fortaleceria a defesa de Jair Bolsonaro.
Quanto a outras ações elencadas na trama golpista, a estratégia da defesa tem sido afirmar que elas não teriam elementos para justificar o enquadramento nos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, ambos atrelados ou uso de violência ou grave ameaça.
Ou seja, a ideia da defesa é argumentar que não há início de execução do golpe sem que haja ato violento, como confirmou à Folha Paulo Amador da Cunha Bueno, um dos advogados de Bolsonaro.
De acordo com Gustavo Sampaio, a estratégia dos advogados do ex-presidente de ligar a materialidade do caso ao 8 de janeiro e, ao mesmo tempo, tentar desvincular Bolsonaro do episódio “talvez seja a única linha de defesa minimamente viável”, uma vez que o político é acusado de crimes graves.
“Segundo a PGR, todos os atos praticados pelo ex-presidente estão alinhados em uma rota cronológica do tempo que vai definindo a materialidade delitiva, ou seja, a intenção que o acusado teria, segundo o Ministério Público, de romper com a ordem constitucional”, afirma.
Nessa perspectiva, não só o 8 de janeiro daria materialidade ao caso, mas também ações como o ataque às urnas e as minutas de golpe. “Nesse sentido, o fato de ele estar distante durante o dia 8 de janeiro, segundo o Ministério Público Federal, nada compromete a participação do ex-presidente, porque os atos que ele teria praticado teriam ocorrido antes de ele viajar para os EUA”, diz Sampaio.
No julgamento que tornou Bolsonaro réu, os ministros Cristiano Zanin e Flávio Dino afirmaram que não necessariamente o acusado precisa ter estado no 8 de janeiro se contribuiu de alguma forma para que o episódio acontecesse.
Para Jéssica Freitas, advogada criminalista e doutoranda em processo penal pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), a estratégia de pensar a materialidade do caso a partir dos ataques “provavelmente vai ser o ponto-chave da defesa de Bolsonaro”.
A tática seria uma contraposição à forma como a denúncia da PGR narra a prática dos crimes, diz Freitas, para quem outra discussão central será sobre se os atos vão ser classificados como executórios ou preparatórios (no geral, não puníveis).
Ela afirma que a defesa provavelmente vai tentar pensar as ações discutidas no processo como fatos isolados que não configurariam crime, como os ataques às urnas, na linha do que já disse Paulo Bueno de que tais atos na verdade eram o “direito de desconfiar da urna”.