Denunciado sob acusação de liderar uma trama golpista para impedir a posse de Lula (PT), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) depõe na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) diante do ministro Alexandre de Moraes.

Pela primeira vez, ele responderá a questionamentos da corte sobre suposta participação em tentativa de golpe em 2022.

O ex-presidente é sexto de oito réus do que a PGR (Procuradoria-Geral da República) classificou como núcleo crucial da trama golpista de 2022, integrado por aqueles que teriam tido papel central na tentativa de ruptura institucional. Os interrogatórios começaram na segunda-feira (9) com o tenente-coronel Mauro Cid, delator e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Perfil

Bolsonaro foi presidente do Brasil de 2019 a 2022, ano em que tentou a reeleição e terminou derrotado por Lula. Antes, havia sido deputado federal por 27 anos.

Em 2023, se tornou inelegível por oito anos por decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) após mentiras e ataques ao sistema eleitoral. Ele foi condenado novamente pela corte, no mesmo ano, por uso eleitoral do 7 de Setembro.

Saudosista da ditadura militar (1964-1985) e de seus métodos antidemocráticos e de tortura, Bolsonaro esgarçou os limites do cargo e acumulou ataques aos demais Poderes enquanto ocupou a Presidência. O ex-mandatário somou declarações golpistas, colocou em xeque a realização das eleições, estimulou o descrédito ao sistema eleitoral e ameaçou não cumprir decisões do STF.

Acusação

O ex-presidente é acusado, assim como os demais réus do primeiro núcleo da trama golpista, dos crimes de organização criminosa armada, abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. Somadas, as penas máximas chegam a 43 anos de prisão, sem contar os agravantes.

A PGR afirma que Bolsonaro liderou a conspiração.

Detalhes

A peça acusatória afirma que o ex-presidente fez ajustes em minuta golpista e tinha um discurso pronto para ser recitado quando o golpe de Estado fosse efetivado. O documento, de acordo com o procurador-geral da República, Paulo Gonet, reforça o domínio que Bolsonaro possuía sobre as ações do grupo, especialmente sobre qual seria o desfecho dos planos traçados.

A PGR também sustenta que Bolsonaro sabia de plano para matar o presidente Lula, o vice, Geraldo Alckmin (PSB), e o ministro Alexandre de Moraes e concordou com o planejamento. Como mostrou a Folha, no entanto, a denúncia indica elementos frágeis ao fundamentar a anuência do ex-presidente concordou ao planejamento.

Defesa

O advogado de Bolsonaro diz que o ex-presidente não participou de trama golpista e que, pelo contrário, ajudou na transição do comando das Forças Armadas no final do governo. A defesa também afirma que não se pode culpar o ex-mandatário pelos atos de 8 de Janeiro.

Em falas públicas, o ex-presidente admite ter discutido alternativas à derrota no fim do governo, mas afirma que as considerações estavam dentro das “quatro linhas” da Constituição e nega ter falado em “golpe”.

Saiba quais são alguns dos principais elementos reunidos pela investigação sobre a minuta e relembre frases Bolsonaro:

Minutas apreendidas

Estado de defesa: Em janeiro de 2023 foi encontrada na residência do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, uma minuta prevendo a decretação de estado de defesa no TSE e a criação de uma Comissão de Regularidade Eleitoral para apurar a “conformidade e legalidade do processo eleitoral”

Estado de sítio: Já em junho do mesmo ano, veio a público que a Polícia Federal também tinha encontrado um arquivo no celular de Cid que tratava da decretação de estado de sítio. Meses mais tarde, em fevereiro de 2024, documento de mesmo teor foi apreendido na sede do PL –segundo Bolsonaro sua defesa tinha enviado a ele o arquivo encontrado com Cid para ele ficar a par da investigação

Delação

Segundo o tenente-coronel Mauro Cid, que é delator no processo, Bolsonaro recebeu a versão inicial da minuta de golpe das mãos do ex-assessor Filipe Martins. Também de acordo com o ele, a partir dela, o ex-presidente teria solicitado alterações

Testemunhas

Os então comandantes do Exército e da Aeronáutica no final do governo Bolsonaro, Freire Gomes e Baptista Júnior, respectivamente, são duas das principais testemunhas no processo da trama golpista.

Eles relatam terem participado de reuniões com o ex-presidente em que foram discutidos instrumentos jurídicos de exceção, como estado de defesa, Garantia da Lei da Ordem e estado de sítio.

Também confirmam encontro no Ministério da Defesa, no qual o general e então ministro da pasta, Paulo Sérgio Nogueira, apresentou mais uma vez o documento aos três comandantes, neste caso, sem a presença de Bolsonaro.

Outras evidências

Entre as provas relacionadas à discussão sobre as minutas, está, por exemplo, uma mensagem de áudio de Cid a Freire Gomes, de 9 de dezembro de 2022, em que o então ajudante de ordens de Bolsonaro dizia que o ex-presidente tinha “enxugado” o decreto, fazendo uma versão muito mais resumida.

Também foi identificada mensagem de Cid a um coronel em que ele dizia: “Ele [Theophilo] quer fazer… Desde que o Pr assine”. Segundo o delator, Bolsonaro apresentara naquela altura a minuta do golpe ao general Estevam Theophilo, que era do Comando de Operações Terrestres do Exército. No mesmo período da mensagem, há registro da entrada e saída de Theophilo no Alvorada.

Além disso, outras mensagens entre diferentes atores são usadas pela PGR na denúncia citando discussões sobre um decreto e sobre o apoio das Forças Armadas, assim como a pressão feita contra os generais para que aderissem às investidas. Há também registros de entrada e saída do Alvorada nas datas em que teriam ocorrido as reuniões.

Frases de Bolsonaro

fev.2024, em ato na Paulista

“O que é golpe? Golpe é tanque na rua. É arma. É conspiração. É trazer classes políticas para o seu lado, empresariais. Isso que é golpe. Nada disso foi feito no Brasil. E fora isso, por que ainda continuam me acusando de um golpe?”

“Agora, o golpe é porque tem uma minuta de um decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenham santa paciência”

nov.2024, em fala a jornalistas poucos dias após indiciamento pela PF

“Da minha parte nunca houve discussão de golpe. Se alguém viesse pedir golpe para mim, ia falar, tá, tudo bem, e o ‘after day’? E o dia seguinte, como é que fica? Como fica o mundo perante a nós. Agora todas as medidas possíveis dentro das quatro linhas dentro da Constituição eu estudei. (…) A palavra golpe nunca esteve no meu dicionário”

mar.2025, em fala a jornalistas

“Eu conversei com várias pessoas nessa época, eu sempre despachei com todos os ministros, sempre tive maior carinho pelos comandantes de Força, sem problema nenhum. Você discutir conversar sobre o dispositivo constitucional, qual o mal nisso?”

“Você acha que algum comandante ia aceitar um golpe? Pergunta para qualquer um dos três comandantes: ‘em algum momento o ex-presidente falou em golpe com vocês’?”

mar.2025, em entrevista à Folha

“Se a gente recorresse [ao TSE], podia passar para R$ 200 milhões. Se eu não vou recorrer à Justiça Eleitoral, pode ir para onde? Eu conversei com as pessoas, dentro das quatro linhas, que vocês estão cansados de ouvir, o que a gente pode fazer? Daí foi olhado lá, [estado de] sítio, [estado de] defesa, [artigo] 142, intervenção…”



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