Ao final do depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, o ministro Luiz Fux disse tudo:

“Este não é o momento próprio, mas vejo com muita reserva nove delações de um mesmo colaborador, cada hora apresentando uma novidade.”

Mauro Cid é uma flor do entorno militar de Jair Bolsonaro. Ajudante de ordens do presidente da República, esbanjou seus quinze minutos de fama. Sempre que o ajudante de ordens do presidente ganha notoriedade, há algo de errado com o oficial e com seu chefe. Ninguém se lembra que o major Tomás Paiva foi ajudante de ordens de Fernando Henrique Cardoso. Hoje ele é o comandante do Exército.

Alguns ajudantes de João Batista Figueiredo, Costa e Silva e João Goulart fizeram fama e deu no que deu. O marechal Castello Branco zuniu um oficial para o canil porque ele entrou em sua sala querendo saber quem era a mulher que dormira nos aposentos do Palácio das Laranjeiras na noite anterior. Castello espinafrou-o e dispensou seus serviços. Quando o oficial deixava a sala, o marechal saciou-lhe a curiosidade: A “senhora” era sua neta, uma criança. O general Eurico Dutra, quando ministro da Guerra, testava candidatos pedindo que o acompanhassem no automóvel. Antes de entrar no carro, dizia que ia para casa, em Ipanema. Ao falar com o motorista dava um percurso absurdo. Os candidatos que o corrigiram foram dispensados, e Dutra contratou o que ficou calado.

Mauro Cid alterna lembranças tardias com amnésias seletivas. Por causa desse zigue-zague, está preso no Rio o general Walter Braga Netto.

Nas tramas de 2023/2024, Braga Netto foi, comprovadamente, um incitador da turma do ódio, fofoqueiro e irresponsável, mas ele não está preso por isso. Num de seus últimos depoimentos, Mauro Cid acusou-o de ter-lhe entregue, no palácio da Alvorada, uma sacola de vinho com dinheiro para azeitar um dispositivo dos kids pretos. Lembrou-se tardiamente e não se lembra de quanto havia na sacola nem em que dependência do Alvorada a carga lhe foi entregue, muito menos seu dia. (A amnésia tem sua funcionalidade, pois o palácio tem câmeras. Bastaria um vídeo do general com uma sacola para que ele estivesse frito.)

Registre-se que mensagens trocadas por Mauro Cid com o tenente-coronel Rafael de Oliveira trataram de dinheiro para financiar sabe-se lá o quê. Seria coisa de uns R$ 100 mil. Algum dinheiro rolou, porque documentadamente Oliveira comprou um iPhone 12 no dia 7 de dezembro de 2022. Pagou R$ 2.500 em dinheiro vivo e registrou o aparelho em nome de sua mulher.

A investigação da Polícia Federal demonstrou que kids pretos monitoraram os movimentos do ministro Alexandre de Moraes usando codinomes e celulares com identidades frias. Só o fetiche dos iPhones 12 explica que o tenente-coronel tenha comprado um modelo tão caro, que certamente não seria descartado como manda a etiqueta das quadrilhas de profissionais.

Pelo andar da carruagem, os réus da trama golpista serão condenados porque Jair Bolsonaro, com sua retórica apocalíptica, brandia o risco de um golpe desde os primeiros meses de seu governo. O Brasil teve nove marechais e generais na Presidência. Mas só o ex-capitão Jair Bolsonaro referia-se ao “meu Exército”. Esse foi o eixo de uma trama que, como a batalha de Itararé, não teve arremate, mas desembocou no 8 de Janeiro, com sua “festa da Selma”. Não teve arremate porque os generais que não falam descartaram o golpismo de oficiais palacianos, que comandam motoristas.


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