O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), negou nesta terça-feira (24) um pedido das defesas do processo sobre a trama golpista para gravar a acareação entre o tenente-coronel Mauro Cid e o general e ex-ministro Walter Braga Netto.

Segundo Moraes, a negativa seria importante para evitar que os réus fossem submetidos a pressões indevidas e a instrução do processo não sofresse com possíveis vazamentos da audiência.

“O pedido foi indeferido uma vez que a acareação é ato de instrução do Juízo e não ato da defesa e para evitar pressões indevidas, inclusive por meio de vazamentos pretéritos do que seria ou não perguntado aos corréus, que poderiam comprometer a instrução processual penal”, diz trecho da ata da audiência.

Este foi o primeiro ato do processo sobre a trama golpista que não foi gravado. O procedimento diverge do adotado nos depoimentos das testemunhas e nos interrogatórios dos réus.

Para o professor de direito processual penal da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) Gustavo Badaró, a acareação é um “prolongamento do interrogatório” dos réus. Por esse motivo, deve-se privilegiar a gravação da audiência.

“Não me parece que haja nada específico ou peculiar nas acareações que justifique que ela tenha um tratamento de registro excepcional, diferente dos outros atos jurídicos. Ela deve seguir a mesma regra geral, que é, preferivelmente, gravação em audiovisual”, disse.

A negativa de Moraes causou protestos das defesas dos réus do processo sobre a tentativa de golpe de Estado. O advogado José Luis Oliveira Lima, defensor de Braga Netto, disse que a decisão do ministro do Supremo violou a prerrogativa da advocacia.

“A defesa precisa registrar que teve sua prerrogativa violada. Todos os atos deste processo foram gravados e a opinião pública teve acesso. Nesse caso, que é um ato processual fundamental para pegar os detalhes da fala de cada um, infelizmente —respeitando, evidentemente, o ministro-relator— esta defesa pediu que o ato fosse gravado e foi negado”, disse.

Quatro advogados que participaram da audiência informaram à Folha que, ao negar o pedido, Moraes fez um comentário em tom jocoso com a defesa de Braga Netto.

O pano de fundo da piada era o fato de Oliveira Lima ter pedido ao Supremo, no início do mês, que o depoimento de Braga Netto não fosse transmitido pela TV Justiça sob o risco de a espetacularização do processo e a superexposição do réu gerarem prejuízos.

Moraes disse aos advogados que não fazia sentido o advogado pedir agora a filmagem da acareação se antes tinha criticado a exposição dos atos processuais. Esse argumento não está na ata da audiência divulgada pelo Supremo e aprovada pelas defesas.

Oliveira Lima decidiu apresentar uma representação à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para informar sobre o caso e requerer apoio da entidade diante das alegadas violações às defesas no processo.

O documento deve ser entregue à OAB até quinta-feira (26). Procurada, a entidade não se manifestou. A assessoria do STF informou que Moraes se manifesta sobre o caso somente nos autos.

Chefe da equipe de defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, o advogado Celso Vilardi disse que causou uma “enorme surpresa” a negativa de Moraes. Para ele, a decisão do ministro prejudica o andamento do processo.

“Todos os demais atos do processo foram transmitidos, alguns inclusive até para vocês da imprensa. E eu achei que foi lamentável não ter sido transmitido hoje porque, na verdade, o delator fez o que tem feito reiteradamente: ele mentiu e, no meu modo de ver, foi desmoralizado”, afirmou.

O advogado Matheus Milanez, da defesa do ex-ministro Augusto Heleno, também questionou a decisão de não se filmar a acareação entre os réus.

“Na gravação você pode ver a cara das pessoas, a entonação da voz, o jeito que se mexe. Isso agrega na formação de convencimento. Mas este ato é manual? No século 21, tudo digital, tudo gravado? Fica a oitiva de testemunha por vídeo, o interrogatório presencial e a acareação pessoal, mas não gravada”, disse.

A defesa de Mauro Cid foi a única a não apresentar contrariedade com a falta de filmagem da acareação. A advogada Vânia Bitencourt disse à Folha que a audiência teve poucos resultados práticos para o processo.

“Para fazer uma acareação, você tem que estar muito seguro de que vai derrubar as contradições do outro. Isso não ocorreu. Foram só provocações. O Cid estava muito seguro”, disse.

O Supremo fez nesta terça duas acareações no processo sobre a trama golpista. Ficaram frente a frente Mauro Cid e Braga Netto por cerca de uma hora e meia. Depois, a audiência seguiu com o confronto entre as versões do ex-ministro Anderson Torres —que é réu— e do ex-chefe do Exército Marco Antônio Freire Gomes, testemunha no processo.



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