O tenente-coronel Mauro Cid afirmou nesta terça-feira (24) que demorou a delatar a suposta entrega de dinheiro do ex-ministro Walter Braga Netto à Polícia Federal porque estava espantado com a prisão de seus amigos militares acusados de planejar o assassinato do ministro Alexandre de Moraes.
A declaração está na ata produzida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a acareação realizada entre Cid e Braga Netto.
“O réu colaborador disse que não se referiu à entrega do dinheiro porque estaria ainda em choque em virtude da prisão de companheiros dele”, diz trecho da ata do Supremo.
A PF prendeu em 19 de novembro de 2024 cinco pessoas suspeitas de planejar o assassinato do então presidente eleito, Lula (PT), o vice Geraldo Alckmin (PSB), o ministro Alexandre de Moraes e o ex-ministro José Dirceu.
Dois dos presos eram amigos de Cid: os tenentes-coronéis Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo.
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro disse que foi surpreendido pelas acusações contra os militares. Segundo o tenente-coronel, foi por essa razão que ele se esqueceu de contar que Braga Netto teria entregue dinheiro ao militar suspeito de planejar o assassinato de Moraes no depoimento à PF.
“O réu colaborador afirmou que a Polícia Federal deu maior ênfase [em seu depoimento] à reunião ocorrida no dia 12/11 na casa do general Braga Netto. Indagado pelo advogado do general Braga Netto se não achou relevante informar à Polícia Federal sobre a questão do dinheiro, o réu colaborador reiterou que estava em choque”, diz a ata.
Mauro Cid falou pela primeira vez sobre o dinheiro na sacola de vinho em audiência com Moraes, no STF, em novembro de 2024. Na ocasião, o militar estava com o acordo de colaboração premiada em risco —a PF e a PGR (Procuradoria-Geral da República) concordavam com a anulação da delação.
Braga Netto negou ao Supremo nesta terça que tenha entregue dinheiro a Cid. Ele disse que o militar o procurou pedindo auxílio financeiro, orientou que procurasse a tesouraria do PL e não voltou a falar no assunto.
A controvérsia foi o ponto central da acareação entre o general Braga Netto e o tenente-coronel. A avaliação das defesas dos réus é de que o assunto não foi esclarecido com a manutenção das versões conflitantes dos réus.
Mauro Cid disse acreditar ter recebido o dinheiro em 9 de dezembro de 2022. “O réu colaborador disse não se recordar exatamente [onde recebeu o dinheiro], mas que pode ter sido em um dos 3 lugares onde transitava mais no Alvorada, ou seja: a garagem privativa, a sala da ajudância de ordens ou o estacionamento ao lado da piscina”, completou.
Segundo a ata da acareação, Cid disse que Braga Netto entregou uma sacola de vinho lacrada e o informou que a embalagem “continha dinheiro e que deveria ser direcionado para suprir aquele pedido que anteriormente fora feito e negado pelo PL”.
O tenente-coronel disse que guardou o dinheiro e providenciou a entrega dos recursos para Rafael de Oliveira —um dos suspeitos de liderar a equipe que colocou em prática o plano para assassinar Alexandre de Moraes.
A defesa de Braga Netto aproveitou as inconsistências da fala de Mauro Cid e a falta de provas para afirmar que o delator mente ao STF. “É um escândalo. Ele mentiu perante o STF mais uma vez”, disse.
Outra controvérsia que não foi esclarecida na acareação foi a reunião realizada na casa do general Braga Netto, em 12 de novembro de 2022, entre os réus e dois militares acusados de serem o braço operacional da tentativa de golpe de Estado.
Cid diz que deixou o encontro antes para participar de uma reunião no Palácio da Alvorada. Ele ainda afirma que os militares teriam discutido questões operacionais diante da indignação com o resultado das eleições após o ajudante de ordens ter deixado a casa de Braga Netto.
O general negou as informações. Ele disse ao Supremo que recebeu os militares em sua casa porque gostava de Mauro Cid e atendia a pedidos para cumprimentos e fotos, mas negou conhecê-los.
“Indagado pelo Min Relator se conhecia o Cel de Oliveira, o General Braga Netto disse
que jamais manteve qualquer relação com o mesmo, que até pode ter servido sob suas ordens, mas como interventor, sua relação era direta com os comandantes de batalhões”, afirmou.
A ata produzida pelo Supremo mostra ainda que o ministro Alexandre de Moraes negou um pedido da defesa de Braga Netto para filmar ou autorizar a gravação da audiência pelos advogados.
“O pedido foi indeferido uma vez que a acareação é ato de instrução do Juízo e não ato da defesa e que para evitar pressões indevidas, inclusive por meio de vazamentos pretéritos do que seria ou não perguntado aos corréus, que poderiam comprometer a instrução processual penal”, diz a ata.
A gravação foi feita em todas as audiências e depoimentos dos réus e testemunhas no processo sobre a trama golpista. Esta é a primeira vez que Moraes determinou que a sessão não fosse gravada. O único registro da acareação foi a ata.
O Supremo ainda fez a acareação entre o réu Anderson Torres e o ex-chefe do Exército Marco Antônio Freire Gomes nesta terça.
Freire Gomes afirmou ao STF que participou de reuniões com o ex-ministro da Justiça após as eleições de 2022 em que se discutia a possibilidade de decretação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) diante da instabilidade social e dos riscos à segurança pública causados pelo fechamento de rodovias por caminhoneiros.
O general afirmou, porém, que nunca viu Torres levantar questões golpistas para reverter o resultado das eleições presidenciais. “A testemunha reitera o seu depoimento judicial onde afirmou que o réu Anderson Torres, na sua presença, jamais incentivou qualquer ato fora da legalidade”, disse.
O ex-comandante do Exército ainda reafirmou que o conteúdo da minuta golpista encontrada na casa de Anderson Torres era semelhante ao documento apresentado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aos chefes das Forças Armadas em 7 de dezembro de 2022.
Freire Gomes destacou que os documentos não são idênticos, mas levantavam os mesmos pontos.
“Quando a testemunha teve contato com a minuta encontrada na casa do réu Anderson Torres, verificou que se tratava do mesmo assunto constante naquele documento do dia 07/12, ou seja, a possibilidade de decretação do estado de sítio e GLO. Em virtude disso, a testemunha reafirma que entende que os documentos têm conteúdo semelhante, pois tratam do mesmo assunto, em que pese jamais ter afirmado que se trata do mesmo documento”, diz trecho da ata da acareação.
Perguntado pelo ministro Luiz Fux, o ex-chefe do Exército contou novamente ao Supremo que jamais deu ordem de prisão a Bolsonaro pelas discussões das minutas golpistas.
O general disse que somente foi “explicado ao então presidente da República Jair Bolsonaro que, por inexistir qualquer indício de fraude nas eleições, as medidas previstas nesse esboço de decreto, se fossem aplicadas, poderiam responsabilizar o então presidente da república, inclusive com a possibilidade do mesmo ser preso”.