Caso decida ampliar o número de deputados nas próximas eleições, o Congresso terá dois possíveis caminhos para as emendas parlamentares: redividir o valor entre os deputados ou elevar o teto estabelecido na Constituição para essas verbas, afirmam especialistas.
O projeto de lei que aumenta o total de vagas de 513 para 531 foi aprovado pela Câmara em maio e precisa ser votado nesta semana pelo Senado. Caso contrário, caberá ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) atualizar a distribuição das vagas pela população dos estados, seguindo decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), colocou o tema na pauta desta quarta-feira (25), após pedidos do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Parte dos senadores, porém, já anunciou voto contrário à proposta alegando o aumento de despesas e a impopularidade da medida.
A Câmara divulgou uma estimativa de que a mudança custaria R$ 65 milhões a mais por ano com salários e verbas de gabinete, por exemplo. Questionada se foi feita alguma previsão do impacto nas emendas pelo acréscimo de 18 deputados, porém, a Casa não respondeu.
“As emendas são um valor distribuído de acordo com o montante geral do Orçamento. Em tese, aumentando o número de deputados, afetaria o valor”, diz Bruno Morassutti, diretor de advocacy da ONG Fiquem Sabendo, especializada no acesso a informações públicas.
Hoje, as emendas individuais que cada parlamentar pode indicar no Orçamento federal são limitadas pela Constituição a 2% da receita corrente líquida do país no ano anterior —1,55% repartido igualmente entre os deputados e 0,45% entre os senadores.
“Se não mexerem nisso, os deputados teriam que redividir o mesmo bolo atual”, afirma o pesquisador Pedro Marin, que está estudando a eficiência dos gastos com emendas em um pós-doutorado na USP (Universidade de São Paulo).
O valor total destinado às emendas no Orçamento deste ano foi de R$ 59 bilhões, sendo R$ 25 bilhões para emendas individuais, quantia próxima ao teto constitucional. Na prática, cada senador dispõe de R$ 68 milhões, e cada deputado, de R$ 37 milhões.
Se não quiserem perder parte dessa verba, os congressistas teriam que ampliar mais uma vez o limite por meio de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), o que já ocorreu em 2022. Antes disso, o teto para as emendas individuais era de 1,2% da receita corrente líquida.
“Eu não duvido fazerem uma nova PEC”, diz a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), coordenadora da Frente Parlamentar de Fiscalização, Integridade e Transparência. O que mais a preocupa, porém, é o aumento de custos com os parlamentares.
Ela prevê um impacto muito maior do que os R$ 65 milhões calculados pela Câmara e cita, por exemplo, a possibilidade de um efeito cascata nas Assembleias Legislativas dos estados, já que a Constituição vincula o número de deputados estaduais ao de federais.
O projeto de lei complementar em debate precisa do voto de 41 dos 81 senadores para passar e tem como objetivo redistribuir as cadeiras entre as unidades federativas de acordo com os dados populacionais do Censo de 2022 do IBGE. A última atualização foi feita em 1994, com base no Censo de 1985.
O STF determinou em 2023 que o Congresso faça o ajuste até a próxima segunda (30), caso contrário caberá ao TSE definir a divisão até outubro, já para as próximas eleições. Em sua decisão, a corte não estabelece que haja aumento do número de deputados (apenas uma readequação de acordo com a população).
Mas, quando Motta assumiu a presidência da Câmara no começo deste ano, ele indicou que, em vez de simplesmente redistribuir o número de deputados federais, preferia aumentar o número total de cadeiras, de forma que nenhum estado perdesse representantes, inclusive o seu, a Paraíba.
Na solução adotada pelo seu conterrâneo, o relator Damião Feliciano (União Brasil), nenhum estado perderia lugares, e nove ganhariam: Pará e Santa Catarina (4 cada um), Amazonas, Mato Grosso e Rio Grande do Norte (2), Goiás, Ceará, Paraná e Minas Gerais (1).
Ele afirma que os gastos seriam absorvidos pelo orçamento atual, sem custo adicional.
A votação na Casa ocorreu de maneira apressada e terminou com um placar de 270 votos a favor e 207 contrários. Os deputados aprovaram a urgência do projeto horas antes, evitando que o tema fosse levado para discussão nas comissões. No Senado, também foi aprovada urgência na última quarta (18).
Para a cientista política Lara Mesquita, professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e colunista da Folha, o problema central da reforma em debate não é o aumento dos custos —que ela afirma serem relativamente baixos—, mas sim a ampliação da distorção entre os estados, conforme ela projeta.
“Pelos dados mais atuais da população, o Rio de Janeiro, por exemplo, teria que perder quatro deputados, mas não está perdendo nenhum. Então, proporcionalmente, vai ser mais beneficiado tanto pela proporção de votos quanto pela distribuição de emendas”, afirma.
O Datafolha mostrou uma alta rejeição ao aumento no número de deputados pela população: 76% dos brasileiros se dizem contra a medida e apenas 20%, a favor, enquanto 2% não sabem e 1% se diz indiferente. A pesquisa entrevistou 2.004 pessoas nos dias 10 e 11 de junho.