O ex-ministro Walter Braga Netto e o tenente-coronel Mauro Cid vão ficar frente a frente no STF (Supremo Tribunal Federal) nesta terça-feira (24) para a primeira acareação do processo sobre a trama golpista de 2022.
O principal ponto a ser esclarecido nessa fase será a suposta entrega de dinheiro vivo do general da reserva Braga Netto ao ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL). Segundo a denúncia, o recurso foi utilizado para ações golpistas de militares.
Braga Netto é amigo do pai de Cid desde a década de 1970, quando se conheceram na Academia Militar das Agulhas Negras. Foram contemporâneos no Alto Comando do Exército. As esposas dos generais são amigas de longa data, e o ex-ministro conhece o delator desde criança.
A nova fase na história das famílias, colocando o general do lado oposto do tenente-coronel, faz da acareação um dos momentos mais tensos da ação penal contra o núcleo principal da trama golpista.
Dois generais ouvidos sob reserva pela Folha destacam que o histórico militar dos dois deve tornar a audiência ainda mais sensível. Mauro Cid, tenente-coronel treinado para viver sob rígida hierarquia e disciplina, terá de se contrapor ao general quatro estrelas Braga Netto.
A audiência foi solicitada por Braga Netto, que está preso desde dezembro. A acareação é utilizada em processos judiciais para confrontar pessoas que prestaram declarações divergentes sobre os mesmos fatos. Neste caso, os dois réus devem ficar na mesma sala para discutir as diferenças das versões.
Além de Cid e Braga Netto, uma segunda acareação será feita entre o réu Anderson Torres —ex-ministro da Justiça— e o ex-chefe do Exército Marco Antônio Freire Gomes, testemunha do processo. As sessões serão fechadas à imprensa, sem transmissão.
A principal controvérsia que deve ser colocada na acareação entre Cid e Braga Netto é a suposta entrega de dinheiro do ex-ministro para um militar que, segundo a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), planejava a prisão e o assassinato de Moraes.
Cid disse ao Supremo que recebeu dinheiro vivo do ex-ministro, no fim de 2022, para que os recursos fossem entregues para um militar que planejava a prisão e o assassinato do ministro Alexandre de Moraes.
Em depoimento há duas semanas, Cid foi questionado sobre o episódio pela defesa de Braga Netto. O militar disse que não se lembrava de detalhes importantes do caso, como dia, horário e local em que o dinheiro teria sido entregue.
“Eu deixei [a caixa com o dinheiro] no batente da minha mesa, para ninguém ver. Me foi entregue; o local efetivo, não me lembro. Se foi na garagem ou outro lugar. Mas lembro que me marcou porque eu deixei do lado do meu pé, para ninguém mexer”, afirmou.
Braga Netto negou ao Supremo que tenha buscado dinheiro a pedido de Cid. Ele disse que a declaração do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro foi um “equívoco”.
O general disse que Cid o procurou pedindo dinheiro. Ele afirmou acreditar que se tratava de contas de campanha atrasadas e que, por isso, o orientou a procurar a tesouraria do PL
“Morreu o assunto. Eu não tinha, como eu disse, contato com empresários, então eu não pedi dinheiro para ninguém e não entreguei dinheiro nenhum para o Cid”, afirmou.
Os depoimentos de Braga Netto e Cid também divergem sobre uma reunião entre os dois e militares amigos do tenente-coronel ocorrida na casa do general em 12 de novembro de 2022.
Cid disse ao Supremo que o encontro foi marcado a pedido dos militares amigos —e também réus— Rafael Martins de Oliveira e Hélio Ferreira Lima.
No encontro, segundo a versão de Cid, os militares reclamaram da eleição de Lula e se colocaram à disposição para auxiliar em ações que pudessem mostrar apoio popular ao ex-presidente Bolsonaro.
“Foi uma conversa nesse nível, inicialmente desse nível: o que poderia ser feito, o que deveria ser feito, sempre nessa toada. Mas não teve nada, naquele momento que eu estava presente, de radicalismo ou de planejamento, ou de apresentação formal de alguma ideia”, disse Cid.
O tenente-coronel disse que saiu da casa de Braga Netto cerca de 15 minutos depois do início da conversa porque tinha assuntos da Presidência a tratar. Ele afirmou ainda que foi orientado pelo próprio ex-ministro a deixar sua casa porque seriam discutidos “assuntos operacionais”.
Braga Netto disse que Cid mentiu em seu depoimento e que só recebeu os militares porque eram amigos do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
No caso envolvendo Anderson Torres, a defesa dele questiona declarações do ex-comandante do Exército sobre a participação em reuniões para tratar da trama golpista.
Freire Gomes disse que o ex-ministro esteve em reuniões com os chefes das Forças Armadas para dar explicações jurídicas sobre as minutas de decreto golpista que circulavam pelo Palácio da Alvorada em 2022.
“Que participou de algumas reuniões com a presença do então ministro da Justiça Anderson Torres; que nas reuniões Anderson Torres explanando o suporte jurídico para as medidas que poderiam ser adotadas”, diz trecho do termo de depoimento do militar.
No último mês, como testemunha do processo, Freire Gomes voltou a afirmar que lembra que Torres participou de “apenas uma ou duas” reuniões com os ex-comandantes na época. “Ele nunca interferiu, nunca me procurou particularmente e, mesmo nas reuniões, ele não opinava sobre esse assunto, que eu me lembre”, disse.
A defesa de Anderson Torres nega. Como prova de que os dois não estiveram juntos, o advogado Eumar Novacki pretende levar os registros de entrada e saída do Palácio do Alvorada para argumentar que a versão de Freire Gomes é falsa.