Integrantes do governo Lula (PT) e do partido do presidente querem usar o debate sobre a cobrança de impostos no embate com a oposição.
Um monitoramento feito pelos petistas sugeriu que o tema pode oferecer um engajamento poucas vezes obtido pela esquerda nas redes, apesar da pressão do Congresso e de empresários.
Dirigentes do PT reforçaram, nos últimos dias, a avaliação de que é possível disputar uma parte importante do eleitorado com o argumento de que o governo busca justiça social ao propor que os mais ricos e empresas poderosas paguem mais impostos para bancar políticas públicas e benefícios como a isenção de Imposto de Renda para os mais pobres.
Os petistas dizem estar cientes de que a tática pode agravar o desgaste do governo junto à cúpula da política e do PIB. Lula, em determinado momento, teria mostrado preocupação com esse revés, mas depois passou a elogiar o discurso de cobrança dos mais ricos em prol dos mais pobres.
O uso dessa estratégia já pôde ser observada nos últimos dias. Integrantes importantes do partido e do governo, como o próprio Lula, deram declarações públicas nesse formato.
“O IOF do Haddad não tem nada de mais”, disse Lula em entrevista ao podcast Mano a Mano, divulgada na quinta-feira (19). Ele defendeu o que chamou de “justiça tributária”: quem ganha mais deveria pagar mais imposto do que quem ganha menos.
“Estamos pegando os setores que ganham muito dinheiro e que pagam muito pouco. As bets pagam 12%, nós queremos que paguem 18%. Eles ganham bilhões, bilhões, bilhões e bilhões. Não querem pagar. As fintechs hoje são quase que uns bancos. Não querem pagar. Então, essas brigas nós temos que fazer. Não dá para ceder toda hora”, declarou o presidente.
A ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) afirmou também na quinta-feira que as medidas econômicas propostas pelo governo são necessárias para garantir o equilíbrio fiscal e para combater a desigualdade social.
“Elas são indispensáveis para começarmos a corrigir as enormes injustiças de um sistema que isenta os ganhos em aplicações financeiras e cobra até 27,5% de imposto de uma professora primária. Vamos fazer esse debate franco, o Brasil só tem a ganhar com a verdade”, declarou Gleisi.
Lula e o ministro Fernando Haddad (Fazenda) estão sob pressão por terem elevado o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para operações de câmbio e crédito de empresas no fim de maio. O Executivo precisa aumentar a arrecadação para cumprir as regras fiscais sem conter mais despesas.
Houve um recuo parcial do aumento do IOF. Haddad negociou uma subida menor nesse imposto, combinada com outras propostas para incrementar a arrecadação –como o fim da isenção de investimentos incentivados e aumento de imposto para bets, fintechs e JCP (Juros sobre Capital Próprio).
Ainda assim, a Câmara aprovou por 346 votos a 97 um requerimento para acelerar a tramitação de uma proposta que anula as alterações feitas no IOF, em uma derrota para o governo.
Os petistas dizem ter identificado, no entanto, um movimento nas redes a partir da semana passada. No dia 11, Haddad participou de audiência da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara e foi duramente questionado por bolsonaristas sobre as contas do governo e sua política de impostos.
Houve forte embate com os deputados Carlos Jordy (PL-RJ) e Nikolas Ferreira (PL-MG). O ministro da Fazenda respondeu com firmeza e disse que a oposição fazia “molecagem”.
Segundo os petistas, um monitoramento apontou que, naquele dia, as ideias defendidas pelo ministro tiveram engajamento bem mais alto que o normal. O mais comum é o bolsonarismo falar praticamente sozinho de impostos e contas públicas nesses espaços.
Outro levantamento, feito a pedido da Folha pela consultoria Bites, mostrou que a participação de Haddad na comissão deu um raro fôlego à esquerda nas redes sociais –ainda que não tenha sido suficiente para empatar o jogo com as forças de direita.
Das 50 postagens com mais engajamento sobre aumento de impostos e sobre o embate entre Haddad e Nikolas, o bolsonarismo teve 31. A direita venceu, mas não chegou a repetir o domínio absoluto desse ambiente digital.
Haddad ganhou 30 mil novos seguidores no Instagram e no Facebook até terça-feira (17), de acordo com a Bites. Foi seu melhor desempenho desde 2023.
“O que houve foi o Haddad subindo o tom e dando uma linha de defesa do governo. E realmente apareceu gente defendendo a esquerda, o que em geral não acontece tanto. O que acontece mais é uma vitória, por W.O., da direita”, disse o diretor técnico da consultoria, André Eler.
O próprio Haddad demonstrou ânimo nas conversas que se seguiram ao embate na comissão. Segundo aliados, Lula acompanha as manifestações de seus ministros, apoiando as defesas mais enfáticas das medidas do governo, a exemplo do que Haddad fez também durante jantar em São Paulo.
Integrantes do governo têm defendido que ministros subam ainda mais o tom. O próprio presidente da República se ressente da falta de disposição de seus ministros para entrar nesse tipo de embate.
Alguns ministros chegam a sugerir que Lula dê declarações mais duras nesse sentido, realinhando sua base à esquerda. Por outro lado, o presidente tem sido desaconselhado a enfrentar diretamente o centrão, dada a necessidade de manter uma estabilidade mínima no Parlamento.