O advogado Luiz Eduardo Kuntz, defensor de um dos réus da trama golpista, enviou ao STF (Supremo Tribunal Federal) nesta terça-feira (17) fotos e áudios de conversas que ele diz ter mantido com o tenente-coronel Mauro Cid após o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) ter firmado acordo de delação premiada.
No diálogo, Cid supostamente conta detalhes de seus depoimentos à Polícia Federal, faz desabafos sobre a falta de apoio de seus antigos aliados.
“O mais foda é sentir que eu estou ferrando todo mundo”, diz uma das mensagens. “Fruto de uma perseguição que eu não tive maldade que iria acontecer”.
Advogado do réu Marcelo Câmara, Kuntz pediu ao STF a anulação da delação sob a justificativa de falta de voluntariedade do colaborador.
“Sem embargos, nas palavras de ‘desabafo’ do delator, conforme se depreende desta conversa o princípio da voluntariedade foi absolutamente arranhado, para não dizer que foi ferido de morte”, disse.
As mensagens teriam sido trocadas por um perfil no Instagram utilizado por Mauro Cid. A conta tinha o nome de sua esposa, não tinha fotos publicadas e era seguida por poucas pessoas. As conversas têm data de 29 de janeiro de 2024 a 13 de março de 2024.
“Eu fui bem claro lá… Pr (Jair Bolsonaro) não iria dar golpe nenhum… Ele estava mal”, diz uma das mensagens supostamente enviadas por Cid. “Ele queria encontrar uma fraude nas urnas… De forma oficial pelo partido. Muita gente estava tentando ajudar a encontrar uma fraude”.
Anteriormente, após divulgação de diálogos por esse perfil pela revista Veja, a defesa do militar havia negado que ele tivesse usado conta de sua esposa para se comunicar sobre o caso.
Nas conversas enviadas por Kuntz, o perfil que seria utilizado pelo militar fez críticas ao ministro do STF Alexandre de Moraes e disse que o ministro já tinha pronta a ordem de prisão de Bolsonaro. “Não precisa de provas!!! Só de narrativas!!! E quando falam de provas…. metem os pés pelas mãos”, disse.
Ele teria afirmado ainda que os investigadores da Polícia Federal tentavam “sempre me conduzir a falar a palavra golpe”. “Tanto que tive o cuidado de não usar essa palavra.”
Luiz Eduardo Kuntz disse ao Supremo que conhece Cid há tempos, com relação mais próxima pelas atividades equestres e pelo histórico militar. Ele anexou em sua petição um “relatório de diligências”, uma espécie de diário que explicava tudo de importante para o processo que havia acontecido naquele dia.
O advogado diz que decidiu guardar todas as conversas para possível uso na defesa do réu Marcelo Câmara. “Assumo os riscos de fazer ata notarial oportunamente para consolidar o material no presente procedimento de investigação defensiva e auxiliar na defesa dos meus constituintes, apenas caso algo de relevante seja trazido nestas conversas escritas”, conta.
Marcelo Câmara, defendido por Kuntz, é réu no Supremo no caso da trama golpista, acusado de monitorar a localização do ministro do STF Alexandre de Moraes, o principal alvo de grupos bolsonaristas e militares para viabilizar o golpe de Estado, segundo a PGR (Procuradoria-Geral da República).
A defesa de Câmara nega que ele tenha monitorado Moraes. Diz que o ex-assessor de Bolsonaro somente fazia pesquisas na internet sobre a agenda pública do ministro e os eventos dos quais participaria para saber a cidade em que se encontrava.
Nos diálogos, Kuntz faz perguntas para Cid específicas sobre o que havia dito sobre Câmara à Polícia Federal. “No seu acordo, vc tinha incluído deixar o Câmara de fora Tb ou ele não?”, perguntou.
“Pedi para o Dr Cezar verificar isso”, teria respondido Cid, em referência a seu advogado, Cezar Bittencourt. “Pq ele havia me dito que ele aceitou tudo”.
Em outro momento do diálogo, o perfil que seria usado por Cid pergunta ao advogado o que Marcelo Câmara havia falado sobre a acusação de monitoramento ilegal de Moraes —citado na conversa com o codinome “professora”.
Kuntz nega ter havido monitoramento paralelo ou uso de equipamentos sofisticados para saber a localização do ministro. Ele tentou ainda confirmar com Cid a informação de que o codinome “professora” não havia sido combinado entre os dois réus antes.
“Se puxar todas as conversas não vai ter isso”, perguntou Kuntz. O perfil que seria usado pelo militar respondeu: “Nunca vai ter nada”.
As conversas de Cid pelo perfil no Instagram começaram a ser reveladas pela Revista Veja na última semana. Com base nas reportagens, a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro pediu ao STF na segunda-feira (16) a anulação do acordo de colaboração premiada do militar.
“Os fatos trazidos a público após os interrogatórios são graves, para dizer o mínimo e muito pouco. As conversas demonstram o descumprimento dos termos do acordo de delação premiada, já que expõem o fato de que o delator quebrou o sigilo imposto à sua delação, bem como mentiu na audiência na qual foi interrogado, o que é causa para a rescisão do acordo”, disse o advogado Celso Vilardi.
Vilardi perguntou a Mauro Cid, durante interrogatório na última semana, se o militar havia usado a conta @gabrielar702 para conversar com amigos sobre sua delação premiada. O tenente-coronel negou três vezes.