Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) dizem avaliar que os principais políticos de direita que disputam a bênção de Jair Bolsonaro (PL) para a disputa à Presidência da República não concederiam indulto ao ex-presidente após uma eventual condenação do político por crimes contra o Estado.
Três ministros consultados pela Folha afirmam que, caso um eventual indulto seja concedido a Bolsonaro e aliados após as eleições de 2026, o perdão às penas seria derrubado pelo Supremo.
As reações ocorrem após o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmar que o ex-presidente, se condenado pelo Supremo, só apoiará algum candidato à Presidência que se comprometa com um indulto.
“É algo real que pode acontecer. Bolsonaro apoia alguém, esse candidato se elege, dá um indulto ou faz a composição com o Congresso para aprovar a anistia, em três meses isso está concretizado, aí vem o Supremo e fala: é inconstitucional, volta todo mundo para a cadeia. Isso não dá”, disse Flávio em entrevista à Folha.
Flávio argumenta que o candidato que terá o apoio de Bolsonaro precisa fazer articulações com o Congresso e com o Supremo para garantir que um possível indulto ao ex-presidente tenha apoio político e não seja derrubado. “Certamente o candidato que o presidente Bolsonaro vai apoiar vai ter que ter esse compromisso, sim.”
Ministros do Supremo dizem, sob reserva, que veem três governadores correndo na frente pela bênção de Bolsonaro: Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo; Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás; e Ratinho Júnior (PSB), do Paraná.
Caiado já defendeu publicamente uma anistia a Bolsonaro, assim como o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), que prometeu indultá-lo.
Tarcísio tem boa interlocução com os ministros do Supremo, em especial com Alexandre de Moraes. Aliados de Bolsonaro dizem acreditar que o trânsito do governador no tribunal pode indicar caminho mais fácil para o indulto, enquanto integrantes da corte citam a proximidade com o político para cravar que o perdão ao ex-presidente não vingará.
A posição dos ministros sobre o indulto tem como precedente o julgamento da graça assinada por Bolsonaro para beneficiar o ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado a mais de oito anos de prisão pelos crimes de ameaça ao Estado democrático de Direito ao promover ataques aos ministros da corte e estimular atos antidemocráticos.
O ex-presidente assinou um decreto com o perdão da pena do aliado político no dia seguinte à sua condenação. O Supremo derrubou o indulto em maio de 2023, por nove votos a dois, sob o argumento de que houve desvio de finalidade.
“Admitir que o presidente da República, por supostamente deter competência para edição de indulto, possa criar, a seu entorno, um círculo de virtual imunidade penal é negar a sujeição de todos ao império da lei, permitindo a sobreposição de interesses meramente pessoais e subjetivos aos postulados republicanos e democráticos”, diz o acórdão do STF.
A relatora do caso foi a ministra Rosa Weber, então presidente do Supremo e hoje aposentada do tribunal. Ela defendeu que a Constituição de 1988 incumbiu a Suprema Corte de “decidir sobre a amplitude, a extensão e os contornos que conformam as atribuições do Poder Legislativo e do Poder Executivo”.
“Não se pode aceitar a instrumentalização do Estado, de suas instituições e de seus agentes para, de modo ilícito, ilegítimo e imoral, obter benefícios de índole meramente subjetivos e pessoais, sob pena de subversão aos postulados mais básicos do Estado de Direito”, destacou Rosa.
Uma ala no Supremo entende que crimes contra o Estado democrático de Direito não são passíveis de perdão político —seja anistia aprovada pelo Congresso ou indulto presidencial.
“Eu faço aqui uma análise também sob o ângulo político, porque eu entendo que crime contra o Estado democrático de Direito é um crime político e impassível de anistia, porquanto o Estado democrático de Direito é uma cláusula pétrea que nem mesmo o Congresso Nacional, por emenda, pode suprimir”, disse Luiz Fux no julgamento sobre Daniel Silveira.
O mesmo caminho foi seguido pelo ministro Dias Toffoli. “Entendo, destarte, que os crimes contra o Estado democrático de Direito são naturalmente insuscetíveis de graça constitucional, por razão teleológica que resvala nos próprios pilares do Estado democrático de Direito”, defendeu.
Bolsonaro é réu no Supremo por supostamente ter liderado uma trama golpista após a eleição de Lula (PT), em 2022. Ele responde pelos crimes de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.
O julgamento do ex-presidente e seus aliados deve ocorrer em setembro, segundo as previsões feitas no STF. As penas máximas somadas ultrapassam 40 anos de prisão.
Apesar de estar inelegível até 2030 e responder a processo que pode levá-lo à prisão, Jair Bolsonaro tem dito que pretende lançar sua candidatura à Presidência.
A recusa à indicação de um sucessor na liderança de seu campo político tem causado uma corrida de possíveis candidatos que tentam ganhar o espólio bolsonarista para a eleição presidencial.
Por mais que Tarcísio seja visto por aliados como o principal nome da direita, Bolsonaro tem demonstrado resistência em indicar o governador de São Paulo para a disputa pelo Palácio do Planalto.
O ex-presidente se queixou a aliados de que seu ex-ministro não estaria demonstrando solidariedade o suficiente. Interlocutores de Bolsonaro apontam que as pontes que o governador tem com o STF não se traduzem em alívio para o seu grupo político.
Nesse cenário, Bolsonaro tem sinalizado preferência por indicar alguém do seu clã. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro é hoje a mais citada —ainda que uma parte de seus aliados veja com desconfiança esse cenário. O seu filho Eduardo (PL), ainda nos EUA, também é apontado como possível sucessor.