As ameaças do governo Donald Trump contra quem censurar empresas, cidadãos americanos e residentes nos EUA têm como alvo a Europa. Esse é o entendimento das autoridades e da imprensa europeia, que passaram longe da discussão brasileira em torno da disputa entre bolsonaristas e o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.
“Seja na América Latina, na Europa ou em qualquer outro lugar, os dias de tratamento passivo aos que que trabalham para minar os direitos dos americanos chegaram ao fim”, escreveu Marco Rubio no X, na quarta-feira (29). Ainda que o secretário de Estado americano tenha tido o cuidado de usar a geografia para passar recados, Bruxelas e boa parte de seus líderes só percebeu referências a si próprios no comentário.
Um dos poucos veículos que havia lembrado do Brasil na cobertura do episódio, o Financial Times acabou eliminando a citação quando atualizou sua reportagem sobre o tema com outro anúncio bombástico de Rubio do dia, a revogação de vistos de estudantes chineses.
O jornal econômico, em compensação, havia publicado horas antes artigo sobre as ameaças americanas a Moraes, assim como a atuação da diplomacia brasileira no caso.
No geral, o entendimento foi o de que a administração Trump mirava a União Europeia pelo rigor de sua legislação digital, com o argumento de que a exigência de moderação e justa concorrência de mercado ferem a liberdade de expressão nos EUA.
“É inaceitável que autoridades estrangeiras emitam ou ameacem emitir mandados de prisão contra cidadãos ou residentes dos EUA por publicações em redes sociais americanas enquanto estão fisicamente presentes em solo americano”, afirmou Rubio, em uma declaração mais ampla sobre o assunto, com uma descrição que cabe no caso brasileiro.
Os europeus, mais uma vez, preferiram se debruçar sobre outra parte do anúncio: “É igualmente inaceitável que autoridades estrangeiras exijam que plataformas tecnológicas americanas adotem políticas globais de moderação de conteúdo ou se envolvam em atividades de censura que ultrapassem sua autoridade e se estendam aos Estados Unidos.”
X e Meta, entre outras plataformas, são processadas na Europa por falta de moderação em seus conteúdos.
Nesta quinta-feira (29), em Aachen, o primeiro-ministro alemão, Friedrich Merz, abordou outro aspecto da política americana, a acusação de censura. Em um evento em homenagem a Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, Merz declarou que a Europa está preparada para lutar por seus valores fundamentais, que incluem “liberdade e democracia”.
Sem citar Rubio ou a ameaça de usar vistos como punição, Merz lembrou do vice-presidente americano, J.D. Vance, que, em fevereiro, na Conferência de Segurança de Munique, chocou os presentes ao declarar que a Europa era uma ameaça para si mesma e que a liberdade de expressão no continente estava em retrocesso.
Vance se referia aos esforços do bloco para conter notícias falsas e a ascensão de populistas dias antes das eleições parlamentares alemãs. “O vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, nos confrontou com esta pergunta à sua maneira em Munique, no início do ano: o que é que nós, europeus, defendemos juntos? , afirmou Merz, em discurso.
“Temos a melhor e mais forte resposta que se pode imaginar. Nós, na Europa, defendemos aquilo que, ao longo de séculos, através de inúmeros reveses e catástrofes, concebemos, desenvolvemos, alcançamos e pelo o que lutamos juntos: a convicção de que vale a pena defender com determinação a liberdade e a democracia e, se necessário, lutar para preservá-las.”
À época, a manifestação de Vance foi vista como interferência na eleição alemã. Reforçou a impressão o fato de o político americano ter se encontrado com líderes da AfD, o partido de extrema direita do país, que mereceu amplo apoio de trumpistas e de Elon Musk.
Desde então, a atuação de integrantes da administração Trump em eleições europeias se banalizou. Rubio e o próprio presidente buscaram influir no pleito presidencial da Romênia, há duas semanas. Na terça-feira (27), Kristi Noem, secretária de Segurança Nacional, estava em um evento conservador na Polônia, que tem um segundo turno presidencial decisivo neste domingo (1°) entre um populista e o prefeito de Varsóvia.